Uma análise filosófica das ideias de Michael Ende sobre economia e sociedade.
Michael Ende, mais conhecido como o autor de A história sem fim (1979), é um dos meus autores favoritos. Filho do pintor surrealista Edgar Ende, ele levou o surrealismo para suas obras literárias e para sua visão de mundo. Nasceu na Alemanha, mas morou também na Itália e no Japão. Morreu em 1995, aos 65 anos, deixando uma obra variada, que inclui também diversas conversas que participou, principalmente no Japão, onde ele tentou repensar a economia monetária e propôs uma economia sem dinheiro.
O tema principal de Ende é a crítica à modernidade e à economia capitalista. Isso fica mais evidente em Momo e o senhor do tempo (1973), obra que também é uma declaração de amor à Itália. Momo é uma garota com o dom de “ouvir as pessoas”, que com a ajuda de uma tartaruga mágica, enfrenta estranhos “homens de cinza” que consomem o tempo das pessoas ao fumar incessantemente charutos feitos com flores do tempo. Eles convencem as pessoas a depositar seu tempo num banco, já que “tempo é dinheiro”, e devolvê-lo com juros. Isso acaba transformando a pequena cidade num centro comercial agitado, onde as pessoas não tem mais tempo para conversar. É o discurso capitalista sobre economizar tempo para maximizar o lucro. A mensagem de Ende é nítida: “Tempo não é dinheiro, tempo é vida”.
Momo é facilmente interpretado como uma crítica à modernização e à aceleração do fluxo do tempo nas cidades. Mas a mensagem de Ende não se resumia a um elogio à vida lenta do campo. Sua preocupação era com a perda de um elemento que ele julgava essencial, que também está presente em A história sem fim: a capacidade de sonhar, de imaginar, de pensar em outros mundos possíveis. Em outras palavras, as condições para a reflexão filosófica sobre o mundo em que vivemos.
A crítica teórica de Ende ao capitalismo é melhor explicada em entrevistas e conferências que ele fez no Japão, e por isso a maioria está disponível apenas em japonês. Esta análise foi o melhor que eu consegui fazer com o conteúdo que eu encontrei, principalmente graças a um site chamado Jardim filosófico de Miguel, que não está mais disponível na internet, mas cujo conteúdo eu salvei num arquivo de texto há muitos anos atrás. Muito desse material é difícil de encontrar, portanto se trata de uma análise a partir das obras de ficção e de trechos traduzidos de suas conversas sobre essas obras.
As influências de Ende são peculiares. Ele foi influenciado pela antroposofia de Rudolf Steiner, fundador da pedagogia Waldorf e da agricultura biodinâmica. Por outro lado, também admirava as ideias do economista Silvio Gesell, anarquista e fundador da Freiwirtschaft, uma escola econômica anarquista pouco discutida, e provavelmente controversa.
Em Fantasy, Politics, Culture (1982), que é um registro de conversas e debates públicos com diversos intelectuais e artistas, Ende diz que as pessoas estão perdendo a capacidade de sonhar com um mundo que elas realmente desejam porque estão constrangidas por um modelo “economicamente viável”:
“O século XVI viu o surgimento da ideia de medir tudo pela quantidade. Somente o que pode ser contado ou medido é autorizado e essa tendência leva à negação total da realidade sobre a qualidade, uma vez que a qualidade não pode ser avaliada pelo pensamento quantitativo. Você não pode medir a beleza, mas ela existe, intimamente relacionada com aqueles que a reconhecem”.
A importância do que não pode ser medido ou afirmado objetivamente é uma das ideias centrais de várias de suas ficções, como O espelho no espelho (1984), que eu analisei no texto A palavra não dita. Isso também é visível em A história sem fim, onde o reino de Fantasia é refeito a partir de uma interferência do leitor na história. A partir dessa ideia, Ende desenvolve uma crítica à sociedade industrial e à “produção de sociedades” segundo o método científico:
“A razão pela qual a ciência natural de Goethe, que tentou reconhecer a ‘qualidade’ da natureza, foi derrotada pela de Newton, que se baseava no mensurável, é que aplicando a de Newton e conseguimos desenvolver a variedade de tecnologia que produziu tantos produtos industriais que desfrutamos agora, enquanto a de Goethe é incapaz de fazê-lo. Mas a falha de hoje é a suposição de que podemos ‘produzir’ sociedades, planos de cidades, de comportamento, de felicidade e de paz mundial aplicando esse pensamento demonstrativo”.
Como a sociedade é mais complexa do que aquilo que pode ser compreendido pela ciência, deixar a ciência organizar a sociedade seria reduzir a sociedade de um modo semelhante ao que os “homens de cinza” pretendiam: a vida humana é substituída por um critério de eficiência econômica.
Ende chamou isso de “Deserto da Civilização”, e acusou o materialismo econômico de produzir o contrário do que pretendia: “Parece-me que o que se chama racionalidade e iluminação científica no Deserto da Civilização produziu até agora o que é perfeitamente contrário ao que as pessoas com racionalidade e honestidade exigem”. Ao criticar a religião, a modernidade acabou excluindo também um elemento importante da experiência humana, “tornando o mundo literalmente desumano”. Ende defendeu não o fim da ciência, mas uma ciência mais humana, “que supera o intelectualismo não pela ‘irracionalidade’, mas analisando e enxergando sua auto-contradição e levando pessoas de volta ao campo da experiência”.
A utopia preferida de Ende era pensar num mundo sem dinheiro. Ele criticou os pressupostos da economia monetarista e defendeu que o dinheiro poderia ser “desfeito”. O desenvolvimento dos países capitalistas dependeu da exploração de outros países. Mas Ende estava descontente com os marxistas de sua época: “As duas principais potências econômicas opostas nos últimos 50 a 70 anos eram, de fato, gêmeas: capitalismo privado e capitalismo de estado, mas na verdade nunca experimentamos um sistema econômico não-capitalista como tal. Acho que o mérito de Marx é que ele apresentou muitos conceitos que tornaram possíveis críticas reais à vida econômica”.
Seu principal problema com o marxismo é o materialismo econômico, a partir do qual ele julgava que seria impossível compreender a importância de certos valores humanos. No livro Einstein Roman 6 (1991), baseado num programa de televisão que foi ao ar no Japão, ele diz: “por que eles têm tanto medo de nossa irracionalidade (das crianças e da literatura de fantasia) enquanto o que é feito com sua racionalidade não lhes incita nenhuma preocupação? Eles não têm medo de sua racionalidade. Pelo contrário, até se orgulham dela”. Sua crítica era dirigida para uma racionalidade que diminui critérios de liberdade e dignidade humana a “superstições selvagens e não-científicas”. Em resumo, é o conflito entre racionalidade instrumental e experiência humana.
Nesse mesmo livro, Ende diz que “a terceira guerra já começou, a gente apenas não percebeu”, e demonstra ter uma visão bastante pessimista em relação à ecologia: “Os ecologistas repetem que devemos diminuir o consumo e simplificar nossas demandas (..) mas eles não notam sequer o fato de que o sistema econômico atual se baseia no pressuposto de que o consumo continuará aumentando infinitamente. (…) De qualquer forma, somos forçados a escolher entre duas opções: a catástrofe social ou a ecológica”.
O eco-anarquista Edward Abbey ficou conhecido pela frase: “crescer por crescer é a ideologia da célula cancerígena”, e Ende disse algo semelhante: “Parece-me que o sistema financeiro atual tem algo muito semelhante ao câncer humano: obrigação de crescer”. Em Talk with Ende (1986), ele afirma que o capitalismo “não pode durar para sempre. Não apenas porque é contra a nossa moral, mas porque esse sistema é insustentável”.
Em Einstein Roman 6 também encontramos uma crítica ao progresso: “não sabemos que, de fato, somos cada vez mais pobres, nosso mundo interno está ficando tão vazio que estamos caminhando em direção à desertificação interna”. Esta ideia ressoa com as palavras de John Zerzan, em Correndo no vazio (2002), embora Ende não tenha usado o conceito de civilização no mesmo sentido. Sua filosofia às vezes se aproxima da ecologia profunda, como veremos mais adiante, quando ele fala sobre a reverência à natureza.
A ciência que Ende defendia conseguiria reintegrar o objetivo e o subjetivo, o que seria algo “completamente absurdo, tanto do ponto de vista econômico quanto político”, no sentido de que não combinava de modo algum com o pensamento da sociedade industrial. Seria uma ciência guiada por valores: “nossa responsabilidade deve ser incluída em nossos estudos”.
Também é visível uma crítica à tecnologia em Talk with Ende. Quando comenta sobre a importância de permitir que as crianças errem e aprendam com seus erros, Ende diz:
“O mundo atual é totalmente construído sobre a teoria de causa e efeito. A tecnologia não funcionará bem se não se basear em tal teoria. No entanto, essa ideia não pode ser aplicada a nós, seres humanos. Temos alguns aspectos que são incompreensíveis desse ponto de vista… Se tentarmos nos analisar, excluiremos nossa capacidade de dar ‘palpite'”.
O palpite está relacionado à intuição e à liberdade humana:
“É a questão de saber se nossa liberdade é reconhecida ou não. Se houver liberdade, você não poderá explicar todos os nossos atos pela teoria de causa e efeito. Por outro lado, se você aplicar essa teoria aos seres humanos, não haverá liberdade nem criatividade. Nossa criatividade é produzir algo totalmente novo sem estar vinculado à restrição da teoria de causa e efeito… E eu acredito que é dentro dessa criatividade que estão os valores dos seres humanos”.
A violência é resultado de reprimir a criatividade e a liberdade: “Tornamo-nos violentos porque sentimos que nossa liberdade é tirada”, e não por excesso de liberdade:
“Na sociedade moderna, baseada na teoria de causa e efeito, somos proibidos de correr o risco e nos sentir no meio de um impasse. A única maneira de fazer isso hoje em dia é se tornar antissocial. (…) Parece que o verdadeiro poder do crescimento, que nos torna humanos, agora é punido pela sociedade moderna, desencorajando-nos cada vez mais. Não ousamos, somente nos adaptamos ao ambiente. Olhe para as escolas. Há vinte anos atrás os estudantes ainda eram rebeldes. Agora eles nem resistem… Eles não pensam na direção que estão seguindo”.
O capítulo IV de Talk with Ende é ainda mais direto: “Minha preocupação urgente é como libertar os seres humanos da obsessão por ‘crescimento econômico'”. Neste capítulo, ele fala, por exemplo, do iminente fim do petróleo e como isso implica na insustentabilidade de um sistema baseado em crescimento. “A batalha no mundo econômico de hoje não é para aumentar a produtividade, mas para ampliar o mercado. Não se trata de como fazer, mas de como ‘jogar fora’ os produtos”.
Em Three Mirrors(1989), uma coletânea de três conversas com intelectuais japoneses, Ende comenta sobre a relação complexa entre industrialização e a colonização cultural do Japão. “Indústria e tecnologia são o resultado do pensamento europeu, em último grau. (…) o Japão já teve que desistir do desenvolvimento de sua própria cultura para se dirigir à industrialização. (…) Essa contradição interna é muito maior no Japão do que na Europa”.
Porém a “universalização” do modo de vida europeu não é uma coisa necessariamente boa sequer para o próprio europeu. “Quanto mais os seres humanos se aproximam, mais unificado nosso mundo se torna, e quanto mais crescimento compartilhamos, maior o risco de que tudo se torne o mesmo e de que percamos nossa própria identidade”. Na tentativa de resgatar essa identidade, as pessoas se guiam equivocadamente por uma visão idealizada das sociedades antigas.
A proposta de Ende, por mais otimista que pareça, é pensar numa sociedade que não está determinada pelo passado, não está determinada pelas suas condições materiais e históricas, mas que, como a centelha de criatividade humana, é capaz de quebrar a cadeia causal de eventos, ou seja, provocar uma mudança para além da lei de causa e efeito, criando algo verdadeiramente NOVO.
Embora essa ideia seja mais comum no pensamento religioso, Ende fazia uma crítica à religião e uma defesa à espiritualidade da liberdade humana radical. “Diante de tal situação [econômica e ecológica], temos apenas duas opções: seguir o caminho atual, temendo que isso acabe com o mundo inteiro, ou parar, temendo o enorme desemprego e o colapso econômico”. Essa situação aparentemente sem saída leva à procura de soluções religiosas. Mas a saída, para Ende, é mudar o dinheiro.
Como a economia capitalista está, em certo sentido, fundada sob uma visão religiosa, seria preciso uma crítica à religião para criticar o capitalismo. A relação entre religião e capitalismo é explorada mais diretamente num dos contos de Espelho no espelho, onde há uma catedral feita de tijolos de cédulas, que realiza o milagre da multiplicação do dinheiro, e os fiéis são chamados de acionistas. Estes fiéis estão presos numa estação de trem da qual nenhum trem jamais parte, e a catedral, iluminada somente por velas, está condenada a ser consumida pelas chamas.
Ende teve a ideia de construir tais simbologias a partir do método surrealista de seu pai, o pintor Edgar Ende. Porém, Ende enfatizava que o método de seu pai era diferente do método de Dali ou da teoria de André Breton:
“Meu pai tinha sua própria técnica. Ele permanecia sozinho em seu ateliê, esvaziando sua consciência e criando seu despertar pleno. Quando ele estava realmente acordado, algumas imagens surgiam em sua consciência vazia, com traços nítidos… (…) Surrealistas franceses como Dali tentavam expor o que se movia na área subconsciente. Meu pai, ao contrário, pensou em redescobrir a consciência mítica, usando as formas modernas. O que ele descrevia não era a combinação acidental bizarra que vem do caos. Ele tentou mostrar um certo símbolo.”
Esta consciência que se comunica a partir dos símbolos nas obras de Edgar Ende não estava desprovida de valores, e não era, segundo Michael Ende, o inconsciente freudiano, mas realmente uma outra consciência, mais profunda, que normalmente nós ignoramos. Ele poderia estar falando de inteligências não-humanas, forças como anjos e demônios, que são comuns nos seus contos. Numa outra discussão no mesmo livro, ele diz:
“Neste universo, existem muitas outras existências intelectuais além dos seres humanos. (…) Essas existências são imperceptíveis para os cinco sentidos e também é difícil distinguir se são boas ou más… É verdade, no entanto , que os seres humanos vivem e têm contato com elas, sabendo que existem existências invisíveis ou não. (…) Por que as trevas não podem ser tão santas? Assim como a luz é? Nenhuma cor pode existir sem os dois. O mundo que consiste apenas de luz é invisível e imperceptível, assim como o mundo das trevas.”
É possível, porém, que ele estivesse falando da consciência não-humana da natureza, como transparece num episódio peculiar, em que a equipe de tevê do programa Einstein Roman estranha o modo como Ende trata sua oliveira (árvore), como se fosse uma pessoa:
“Elas [as oliveiras] me ajudam quando escrevo. (…) Aqueles que têm outro olho na cabeça devem ver que as árvores não são a composição de elementos químicos, mas uma existência viva que habita comigo na Terra… Para resolver o problema ecológico, temos que ter uma relação interna com a natureza”.
A expressão “relação interna” pode ter sido mal traduzida, então é difícil compreender sobre o que exatamente Ende está falando. Mas alguns outros trechos ajudam a compreender que Ende acreditava na comunicação com a natureza:
“A Natureza responde da mesma maneira que perguntamos a ela. Se fizermos perguntas à Natureza com reverência, ela nos dará uma resposta com admiração e respeito. Mas se a tratarmos como fechadura que estamos forçando a abrir, ela nos dará uma resposta violenta.”
Chegamos, assim, ao Ende’s last words (1999), ou “As últimas palavras de Ende”, um documentário que foi ao ar no Japão, 4 anos após a morte de Michael Ende, retratando sua vida, obra e pensamento. Este programa se foca na relação entre Ende e a teoria econômica de Silvio Gesell. Gesell, queria criar um dinheiro que expirava, isso é, tinha um prazo definido pra ser utilizado. Isso impedia que o dinheiro fosse acumulado ou usado para especulação financeira. Ende propunha algo semelhante, mas com um objetivo ecológico e moral:
“Portanto, suponho que devemos colocar o dinheiro novamente como um valor que corresponda à realidade do trabalho e dos bens. E para esse fim, todos devem pensar seriamente sobre o que é essencial e o que deve ser mudado no atual sistema monetário. Penso que esta é uma questão crucial que determinará se os seres humanos podem continuar sobrevivendo neste planeta ou não. O ponto é o reconhecimento de que o dinheiro que pagamos para comprar um pão em uma padaria e o que usamos no mercado de ações como capital são dois tipos diferentes de dinheiro”.
Comentando sobre a posição de Ende sobre o dinheiro, o economista suíço H. C. Binswanger aparece no documentário dizendo:
“A maneira como as pessoas criam e aumentam o dinheiro é muito semelhante à dos alquimistas. A alquimia foi produzida pelo desejo das pessoas. Ele tenta fabricar ouro a partir de chumbo, e a maneira de pensar em transformar algo convencional como chumbo em algo precioso como ouro também é comum na era moderna, pois eles imprimem dinheiro usando juros. Esse dinheiro fica descontrolado, afetando o meio ambiente e nossa moral. Sempre que você pensa em dinheiro, não se esqueça da moral. Dentro do dinheiro estão questões morais”.
Binswanger faz a relação entre dinheiro e magia. Esta magia equivale vender o futuro, ou ainda, consumir o tempo das pessoas:
“Os juros trazem problemas para o futuro. Se o valor das dívidas continuar aumentando, como agora, meu cálculo é que, mais cedo ou mais tarde, dentro das duas gerações, estaremos envolvidos num colapso econômico ou num colapso ecológico. Esse é o problema fundamental. Acredite ou não, você pode alcançar esse resultado com um computador. Apenas uma pequena quantidade de pessoas lucra com esse sistema. Hoje, nos EUA, 1% da população possui mais do que o restante (99%). Em resumo, alguns países são cada vez mais pobres, com sua ecologia sendo devastada. Por outro lado, muito poucos continuam sugando o enorme lucro. Este é o sistema econômico atual”.
A previsão de Binswanger, feita nos anos 90, não parece estar errada, já que estamos no meio de uma crise que é tanto econômica quanto ecológica. Voltando à questão do capitalismo como religião, o documentário mostra uma gravação em que Ende diz diretamente:
“Em qualquer cidade do mundo onde permanece a cultura antiga, catedrais ou templos ocupam seu centro de onde vem a luz da ordem. Atualmente, ela é substituída por prédios de bancos. Eu descrevi as cenas em que o dinheiro é adorado e as pessoas oram como se fosse algo sagrado na minha mais recente ópera baseada no “O Flautista de Hamelin”. Alguém diz “O dinheiro é Deus”, porque o dinheiro provoca milagres. Ele surge do nada e dura para sempre. Mas o dinheiro, ao contrário de Deus, foi produzido pelas pessoas. Se tem algo que não existe na natureza, mas que é totalmente produzido por seres humanos, é o dinheiro.”
Citando Gesell, Ende diz que “o dinheiro deve desaparecer no final das atividades econômicas”, como algo vivo. O resto do documentário porém, tanto quanto pude entender, traz pessoas comentando sobre experiências de moedas e economias locais. Um dos comentaristas chega a elogiar o New Deal americano, enquanto fala da ameaça comunista “espalhada pelo mundo”, e o documentário prossegue com uma fala de Ende criticando o socialismo real. Parece uma tentativa de associar suas ideias com um capitalismo alternativo, baseado em moedas locais, ao invés de uma crítica radical à sociedade capitalista.
Independente disso, o programa termina com uma das citações mais memoráveis de Ende, que eu acho que resume bem o coração da sua crítica:
“Está nítido que as vítimas do sistema atual são as pessoas que vivem no Terceiro Mundo e na Natureza. Elas continuarão sendo exploradas sem piedade, para que esse sistema, que não pode funcionar sem consumir e crescer, possa continuar. Aqueles que aprendem com a história sabem que os eventos reais moverão os seres humanos quando a razão não o fizer. O que posso fazer a esse respeito é dizer para não repetirem o mesmo erro e pensar em novas ideias. E essa sociedade vai mudar. O mundo não vai acabar, mas os seres humanos sofrerão um grande trauma que durará séculos. Eles pensam que não podemos viver sem dinheiro, mas não é verdade. Nós podemos fazê-lo, porque nós o criamos.” – Michael Ende (1929-1995).
Referências:
ENDE, Michael. A história sem fim. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
________. O espelho no espelho. São Paulo: Marco Zero, 1989.
________. Momo e o senhor do tempo. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
HIROTA, M. Y. Miguel’s Philosophical Garden. 2004. http://www3.plala.or.jp/mig. (Site fora do ar há uns 10 anos ou mais).
Uma consideração sobre “A filosofia de Michael Ende”