Viver, acordar, escrever

Uma coleção de contos curtos baseados em sonhos.


Silêncio

Um homem andava num prado acompanhado de uma solidão. Falando pela primeira vez, a solidão pergunta quem é ele. O homem, sem demonstrar muita emoção, responde apenas: “eu sou o antagonista”. “Por quê?”, pergunta a solidão, com a expressão de uma criança. “Não há um motivo”, o homem responde. “O protagonista precisa de um antagonista. Não há outra coisa que nos diferencie. Quando ele caminha, eu sou a pedra no caminho. Ele precisa de mim para que o caminho faça sentido”.

“Mas não pode ser”, replica a solidão. “Por que tem que haver antagonistas?”, ela pergunda. “É assim que funciona”, tenta explicar o homem. “Eu não concordo”, diz a solidão, pulando para frente do homem, indignada. “Pode existir um sonho com uma pessoa só”, ela diz. “Nesse caso”, responde o homem, “esta pessoa seria ao mesmo tempo o protagonista e eu. É impossível, e isso você sabe bem, que alguém exista sozinho. Ninguém jamais está sozinho, há sempre pelo menos dois. Há sempre, no mínimo, duas pessoas”.

Mas isso não parece satisfazer a solidão, que segue vagarosamente com o olhar baixo e pensativo pelo resto do prado sem fim. “Você me consola”, diz o homem. “Tira minha dor, mas leva com ela também quem eu sou. No fim”, explica olhando fixamente nos olhos da solidão, “você não deixará sequer uma gota de mim em mim. Eu terei me esvaído, e o sonho acabará, e o protagonista vencerá”. A solidão tenta compreender aquelas palavras, mas não pode. O mundo é tão simples, por que ele não pode ver? Do que ele tem medo, tanto medo?

O homem, como se soubesse o que a solidão estava pensando, responde com a cabeça rumo ao horizonte: “Você não entenderá. As saídas nunca são amplas, nunca são abertamente visíveis. Você acredita que somos livres, mas esse belo prado também é um labirinto. A cada passo que damos nos arriscamos a nunca mais sair. Este caminho aparentemente reto é a pior das armadilhas. Internamente, cada passo é uma escolha, a escolha de continuar em frente. Cada uma dessas escolhas é diferente, pois cada uma delas interfere na outra. A dificuldade é gradual, cada passo dado aumenta o risco de que no próximo estejamos permanentemente perdidos. É impossível voltar, tanto quanto continuar. É a armadilha perfeita, porque nos deixa perdidos em nós mesmos, e ficamos paralisados”. A solidão revolta-se: “Pare de complicar as coisas! Pare com isso! Por que é que tudo tem que ser sempre tão complicado? Simplesmente pare com isso!”.

Mas o homem ficou balançando a cabeça por um tempo indefinido. “Você não vê, simplesmente não vê. Veja o que está pedindo. Está pedindo que eu faça exatamente o oposto do que você espera que eu faça. Se eu não falasse isso, nada disso existiria. Não vê? Sem o nosso conflito, esse sonho não seria possível. Não há sonho sem conflito. Não teríamos chegado aqui se não fosse por essa conversa. Eu estou cumprindo meu papel de antagonista nesse exato momento”.

Ao ouvir isso, a solidão virou-se para o outro lado. Seus olhos se cobriram de uma fina camada de choro, que nunca caiu. “Você me lembra uma poesia”, diz finalmente o homem. “Uma poesia que vivi uma vez, em outra parte”. Esforçando-se para se lembrar, o homem começa a declarar os versos:

Eu vi você olhar pra mim

Não percebi que não estava ali

Queria poder gostar de você

Queria poder dizer algo melhor

Estamos presos

Na mesma bolha plástica

Eu estou com medo

Você me ignora

Eu escrevo

Tento me consolar

Você segue reto

Não sei como consegue me arrastar

Não suporto

Estou ficando louco

Suas respostas são exatas

Elas não podem me confortar

Eu tento me matar

Erro o tiro

Acerto sua cabeça

Você começa a sangrar

E me afogo no seu sangue

Que não para de jorrar

Pela bolha plástica

Eu começo a flutuar

O homem termina com um sorriso. A solidão o olha fixamente, sem conseguir dizer uma palavra. “Agora”, completa o homem, “sigamos em silêncio. O silêncio, de todas as coisas valiosas, pode ser a mais importante. Silêncio e paciência”. E assim o prado desaparece por detrás de uma espessa neblina de consciência.

Guerra

O elevador estava descendo. Era sujo, velho e de madeira. Por sua porta de vidro eu via luzes passando de baixo pra cima. Esperei. Nada aconteceu. Procurei algum botão. Procurei saber pelo menos o número do andar. Não havia nada, apenas um pedal de metal frio na parede. Apertei o pedal e caí inconsciente no mesmo instante.

Enquanto estava semiconsciente, ouvi duas pessoas conversando: “Será que ele vai se lembrar de alguma coisa?”. E a outra pessoa respondeu: “Não, ele não irá se lembrar de nada”. Quando acordei eu estava deitado numa mesa de cirurgia. Tudo estava completamente escuro exceto pela luz da lâmpada em cima de mim e uma luz que vinha de uma sala de observações no alto.

Acordei de novo no mesmo elevador, com muita dor de cabeça. O elevador continuava descendo sem parar. Limpei o vidro e dei uma espiada nos andares. Neles só havia salas minúsculas e sem saída. Em algumas dessas salas havia pessoas em trajes do século XIX. Forcei a porta e decidi pular no próximo andar, mesmo que para uma dessas saletas. Eu precisava me livrar do elevador.

Quando eu saí do elevador, caí num salão de conferências onde um homem discursava em frente de uma grande tela. Todos tinham bandeiras feitas de papel vermelho e as agitavam toda vez que o homem dizia alguma coisa. “Hitler é bobo! Os nazistas não sabem limpar a bunda! Os nazistas fazem xixi na cama!”, ele dizia. As bandeirinhas vermelhas se agitavam e o povo gritava.

Vi uma mulher olhar pra mim, como se me conhecesse. Havia uma caneta no meu bolso. Peguei uma bandeira e escrevi um recado pra numa das margens, e dei a bandeira a ela.

Eu estava saindo do salão quando de repente tudo parou. No telão havia uma imagem do meu recado. Dois homens se levantaram e foram na direção da moça. Eu voltei correndo, puxei a moça pelo braço e saímos correndo sem olhar pra trás. Chegamos ao estacionamento quando eu vi que eu tinha puxado a moça errada. Ouvi o som de um tiro no salão. A mulher me olhou por um segundo, me deu um beijo e depois sacou uma arma e atirou na própria cabeça.

Eu tentei roubar um carro para fugir dali, mas nenhum deles funcionava. Parei para tentar me lembrar de como se chora, pois pensei precisar disso naquela hora. Então apareceu alguém. Ele tinha roupas de mecânico e me mostrou uma saída segura pelos tubos de ventilação. Eu percorri os tubos de ventilação, mas eles pareciam infinitos. Enquanto percorria os tubos eu vi uma sala de guerra abaixo de mim. Vi vários generais planejando quantas pessoas iriam morrer, onde, quando, como e por que. Eles tinham um quadro enorme e uma maquete do campo de batalha. Estavam calmamente decidindo tudo que iria acontecer na guerra para ficar o mais bonito possível na tevê. Eram os generais de todos os países, e todos eram iguais.

Eu continuei me esgueirando pelos tubos, pensando se haveria algum lugar pra ir. Talvez eu devesse morar aqui. Então vi um grande refeitório. Trabalhadores eram alimentados com alguma coisa pastosa que saía de um grande triturador. Enquanto eu estava observando, um dos trabalhadores passou mal e caiu inconsciente. Instantaneamente três homens de vermelho escuro o pegaram e o levaram para trás do balcão. Então eles o jogaram no triturador e houve uma revoada de trabalhadores famintos que se juntaram para repetir o prato. Eu segui em frente segurando o vômito.

Passei por um laboratório. Ele era dividido em duas partes. De um lado havia tecnologias incríveis, e os cientistas eram jovens e sorridentes, e inventavam armas, doenças e futilidades. Do outro tudo era rústico e improvisado. Os cientistas pareciam que não dormiam bem há anos. E eles tentavam inventar coisas importantes, que ajudassem a humanidade sem prejudicar ninguém. Mas tinham pouquíssimos recursos e os cientistas do primeiro lado, que estavam em grande maioria, riam deles o tempo todo.

Depois de muito tempo percorrendo os dutos eu encontrei uma saída. Do lado de fora não havia nada além de um deserto. Resolvi sair assim mesmo, então comecei a quebrar a grade com chutes. O duto não resistiu e se partiu, e eu caí num monte de roupas. Era como se fosse uma lavanderia, mas as roupas eram jogadas numa fornalha para serem queimadas enquanto roupas novas, idênticas às velhas, eram criadas para substituí-las.

Enquanto estava lá, eu vi a porta se abrindo. Peguei uma camisa e me escondi atrás da porta, me preparando para estrangular quem quer que fosse até a morte. Era ela, a moça pra quem eu escrevi o recado no salão de conferências. “Eu pensei que você tinha morrido”, eu disse. “Eu matei uma mulher inocente”, ela me respondeu. “Não, a culpa foi minha”, eu respondi. “Não, eu joguei a bandeira no colo dela antes de ler seu recado”, ela completou. Depois de um silêncio, eu disse: “Espere, nós não matamos ninguém, não temos culpa de nada disso. Somos inocentes”, e nós nos abraçamos. Senti uma pontada nas costas e vi um sorriso no rosto dela. Em suas mãos, uma seringa. Meus olhos se fecharam involuntariamente… 

Esquecimento

Estávamos numa missão importante quando o líder do grupo avisou que um de nós era o alvo. Foi um choque para mim. Eu dediquei minha vida à causa. Convivia com meus parceiros todo dia. Éramos uma família. A sensação de desconfiança crescente me deixava muito ansioso. Para nos informar melhor, fomos falar diretamente com o professor. Ele tem estudado as profecias do fim do mundo durante toda sua vida. É ele que nos guia e nos diz o que devemos fazer para evitar o Esquecimento. Ele nos explicou que o ser que criou nosso mundo não tinha consciência dele, mas que está lentamente tomando consciência. Ele se encarnou em um de nós, e quando ele finalmente tomar consciência plena do mundo que criou… Ele vai esquecê-lo, e será nosso fim.

A maioria das pessoas não acredita no Esquecimento. Mas nós sim, e fazemos tudo que for possível para evitá-lo. Nosso grupo era especializado em recuperação de informação, portanto era nosso dever estar um passo à frente dos outros. Porém, isso agora se voltou contra nós. Como o professor disse, o ser que nos destruiria encarnou-se justamente num de nós cinco… O alvo inicialmente não tem consciência disso, mas trará o fim assim que tomar consciência plena do mundo. Nosso objetivo era descobrir quem é o alvo e impedi-lo de tomar consciência. O que era muito mais difícil agora, já que se tratava de um de nós. Passamos algum tempo sem saber o que fazer, até que o professor descobriu qual de nós era o alvo. Ele revelou sem muita cerimônia: apontou para mim com olhos tristes.

Eu estava lentamente tomando consciência de ser o criador deste mundo. Tentei vencer o choque para cooperar com o procedimento. O procedimento, caso encontrássemos o alvo, seria induzir animação suspensa, onde ele pudesse sonhar outros sonhos. A realidade se alteraria, mas nós continuaríamos vivos. Eu não sei se funcionou ou não. A última coisa que lembrei antes de tomar consciência que estava sonhando é a expressão no rosto do líder, dizendo: “Eu te odeio”. Eu sabia que ele não estava se dirigindo a mim exatamente, mas sim ao ser que estava em mim, o sonhador. Isso me confortou e logo em seguida me incomodou. Era uma mensagem diretamente para mim, o sonhador. Eu acordei com a frase ressoando em minha cabeça: “Eu te odeio”.

Quando acordei, arrumei minha cama e fui para um grande jardim cheio de plantas, animais e insetos. Eu fiquei correndo até me cansar, depois fui à biblioteca. O bibliotecário era familiar, e parecia muito abatido. Eu peguei um livro da capa azul. Ele disse que esse livro estava reservado, mas eu peguei o livro mesmo assim. Eu morava com meu pai adotivo, que não conversava muito comigo. Eu não li o livro, mas emprestei para ele. Ele disse que ia ler, mas parecia abatido com alguma coisa. Ele leu o livro e no dia seguinte me disse:

“Eu não te odeio mais”.

Quando eu fui devolver o livro, lembrei que precisava de uma escova de dente nova, então fui pegar uma na minha verdadeira casa. Mas eu não lembrava onde era. Acabei entrando num shopping. Atravessei o shopping correndo, quase flutuando, mas ele nunca acabava, era um labirinto de escadas e corredores. Vi algumas pessoas me esperando no final de um corredor muito longo, mas quando cheguei perto elas saíram pela lateral. Cheguei ao fim do corredor e subi as escadas que dava para uma praça. Queria encontrar as pessoas, mas meus olhos se fecharam por causa da luz e se recusaram a abrir. Eu ouvi as pessoas conversando perto de mim. Elas disseram “Ainda podemos segurar ele por mais algum tempo”. Reconheci a voz dessas pessoas, eram meus colegas. Eu tentava abrir os olhos, sem sucesso.

Fiquei sentindo a grama do chão. Era tão real. Estava tomando consciência de que estava sonhando e gritei “Eu quero abrir os olhos!”. Continuei lutando para abrir os olhos, me esforçando tanto que consegui piscar por um momento e me vi num lugar de paredes brancas, que eu não reconheci. Pisquei mais uma vez e compreendi que a imagem estava estranha porque eu devia estar vendo-a de um ângulo diferente, como se eu estivesse deitado. Me esforcei ao máximo para abrir os olhos, foi angustiante, eu não conseguia acordar. Meus colegas estavam induzindo uma paralisia do sono para permanecer existindo por mais tempo. Então o líder interviu e disse: “Deixem ele ir, não é justo ficarmos aqui, é hora de acabar”. Eles me soltaram e então eu finalmente acordei. Eu estava no meu quarto, finalmente reconhecendo que as paredes brancas que vi no sonho na verdade eram o teto. Então essas memórias se apagaram da minha mente. Essas vidas, meus amigos, minha família, se foram pra sempre. Agora a frase na minha cabeça era: “Eu não te odeio mais”.

Rua

Noite passada estava num sonho daqueles que se fica bem consciente de que se está sonhando. Apareceu um rapaz, mais novo que eu, me olhando com um rosto sério e triste, querendo dizer alguma coisa. Ele se aproximou devagar, e de repente quis me dar um soco, mas não teve coragem. Eu o segurei pelo pescoço (porque nos sonhos conscientes eu sou muito forte) e perguntei: o que foi? Qual o problema? “Você pegou um facão e matou meu irmão”, ele me disse com uma seriedade que me preocupou. Eu ri, nervoso, tentei dizer que era um engano: eu nunca matei ninguém, não podia ser eu. Ele ficou com mais raiva, me deu o soco finalmente, mas muito fraco. Eu o larguei, tentei juntar testemunhas da minha inocência na rua, mas ele só ficava com mais raiva. Ele repetia, chorando: “Você matou meu irmão. Você matou meu irmão”. Eu não sabia mais o que fazer. Finalmente foi embora, pensei que tivesse desistido ou esfriado a cabeça. Mas voltou com um facão e veio pra cima de mim, porém sem coragem. Tomei o facão da mão dele, repeti que era inocente, percebi que alguém tinha dado o facão para ele. Tentei falar com ele, mas ele não queria ouvir. Falei quase gritando:

“Escute, não sei quem te deu essa faca e falou que eu matei seu irmão, mas não fui eu. O cara que disse isso deve estar tentando colocar a culpa em mim porque FOI ELE QUE MATOU. ELE É O CULPADO”. Ele balançou a cabeça revoltado e não disse nada, apenas correu, pegou outra faca com alguém misterioso, e veio correndo pra cima de mim de novo. Ouvi a voz da pessoa que deu a faca a ele gritando “Mata ele agora. Mata o mentiroso agora”, e me pareceu familiar. Ele golpeou na direção da minha cara, eu defendi com o facão e tentei dizer alguma coisa, mas ele não ouvia porque estava com muita raiva. Ele foi ganhando forças, eu não conseguia mais me defender. Acordei, suando, um milésimo antes que ele me cortasse. Passei a mão no rosto para conferir, e então me lembrei. Lembrei que antes desse pesadelo eu estava num outro sonho lúcido, andando por uma rua. Estava escuro e chovia, eu observava a água correndo pelo meio-fio. Então olhei para a rua vazia. Estava muito escura e sombria, mas eu tive vontade de andar nela. “Deve ser um pesadelo, mas daqueles bem legais”, pensei, e entrei na rua. Eu decidi ter um pesadelo. Lembrei que antes disso sonhei com o mesmo cenário do sonho de ontem. Neste sonho eu também estava consciente e aproveitei para descontar minha raiva em alguém que passava. Imaginei um facão e matei uma pessoa aleatória. Foi um sonho violento, do qual eu acordei muito mal. Só agora me lembrei de que ele se parecia com o cara que queria me matar, só que mais velho. Então, talvez eu realmente tenha matado o irmão dele. Me senti um mentiroso, e reconheci a voz de quem deu a faca a ele: era minha própria voz…

Bicicleta

Eu estava andando de bicicleta pelo centro, sempre perdido como eu gosto de estar, então passei por uma calçada onde o cimento estava fresco. Na verdade, o cimento estava tão mole e era tão fundo que a bicicleta afundou e eu caí no cimento. Não encontrando fundo, e segurando firme minha bicicleta, continuei afundando até que estivesse completamente cercado de cimento por todos os lados.

Fui afundando por um tempo indeterminado, eu e minha bicicleta. Quando cheguei ao fundo, o cimento não só era respirável como também era transparente, como ar. E havia um homem lá no fundo, de meia idade, barba rasa e grisalha. Eu perguntei que lugar era aquele, ele me respondeu somente: “Boa pergunta, eu nunca parei pra pensar nisso”. “Como pôde nunca ter pensado nisso?”, eu disse. Ele disse: “Não sei, porque eu iria pensar nisso? Você está andando e de repente, puf, cai num poço de cimento que parece ar. Daí a pouco cai um rapaz e pergunta onde você está… Eu não parei pra pensar nisso”. Depois de uma pequena pausa ele arremata: “Eu sou um motorista, sabe? Nós temos muita experiência com fenômenos metafísicos como este”. “Têm?”, eu perguntei inocentemente. “Eu estava sendo irônico”, ele explica.

“Mas olha”, ele continua “não é que eu seja burro, eu inclusive já li até aquele cara, como diz, Dosto-alguma coisa”. “O senhor leu Dostoievsky?”, eu perguntei. “Sim, li aquele livro grande, como chama? Fausto”. “O senhor leu Fausto?”, perguntei com a mesma entonação. “Li, claro, por quê? Acha que eu não sei ler? Eu sei ler sim. Eu até aprendi alguma coisa”. “O quê?”, pergunto. “Que não se pode ser mau com nossos pais, afinal, essa é a origem de todos os problemas”. “O senhor aprendeu isso lendo Fausto? Tem certeza?”, eu perguntei meio cético. “Viu só? Eu te contei só um pouco da minha vida e você já não se importa tanto em saber que lugar é esse. Minha vida é assim, rapaz. Agora conte um pouco da sua”, ele disse. Eu respondi: “Eu não tenho o que dizer, eu nem mesmo estou aqui, nada disso aconteceu…”. “Bom, bom. Já vi isso antes. Começa assim, você sabe. Negação. Aprendi isso num desenho animado”, ele disse. “O senhor não está entendendo, isso realmente não está acontecendo. É só mais uma estória que eu inventei, está tudo na minha cabeça”, eu disse. “Certo, certo. Muito bem garoto, você inventou tudo isso e eu sou apenas mais um personagem, certo?”, diz ele, com olhar desafiador. Não respondi. “Se é assim, meu rapaz, então explique como é que eu posso ir até aí agora”, ele vem em minha direção, “e, sem mais nem menos, chutar seu saco assim?”, e ele chuta. Eu caio de joelhos, gemendo de dor. “Então, alguma teoria? Por acaso você é esquisito a ponto de escrever uma história sobre um velho motorista que te dá um chute no saco no fundo de um poço de cimento transparente e respirável como ar? Não, acho que não. Acho que você é um bom rapaz. Agora dê o fora daqui, vamos!”. “Como?”, eu pergunto, querendo sair o mais rápido que puder. “Apenas monte na sua bicicleta é vá. Suma!”. Foi o que eu fiz. Tentei ignorar a dor, mesmo porque aquilo não foi real, mas acontece que ainda está doendo um pouquinho. Nada de mais, talvez eu simplesmente tenha me machucado na bicicleta. Observação: Fausto é do Goethe.

Amigo de 15 minutos

Eu acordei me lembrando de toda a conversa. Não, nem toda, alguma parte da conversa já estava se perdendo. E enquanto eu pensava nisso, toda conversa ia desmoronando e se tornando espaço vazio nas minhas memórias.

Então não me lembro mais quem iniciou a conversa. Não faz muita diferença agora, ele se perdeu para sempre dentro da minha cabeça, sou eu que estou aqui agora, embora continue sem saber quem sou.

Da maneira com que me lembro, foi ele que apareceu por aqui, mas fui eu que disse a primeira frase:

– Você sabe quem eu sou?

– Sim. – ele disse – Você é minha imaginação, e eu sou eu mesmo.

– Você é você mesmo? – Comecei a rir baixinho. – Quem nesse mundo já não achou que era ele mesmo pelo menos uma vez na vida? Você não é você mesmo. Você não existe.

Ele ficou um pouco inquieto com isso, então disse: “Eu acho que existo”.

– O que o faz pensar que você existe? – Eu disse – Nunca pensou na possibilidade de estar enganado? De na verdade haver outra pessoa imaginando você?

– Se isto for verdade, então quem sou eu?

– Eu não posso dizer isso, porque eu não existo. – Esta foi minha última fala. Geralmente é a minha última fala, depois disso ele percebe que está falando sozinho e some. Mas não foi isto que aconteceu. Ele ficou lá, e eu fiquei desesperado. Como um flash de luz, eu percebi algo que ia além das minhas falas. Ele deveria ter sumido e eu deveria voltar para o subconsciente, mas nada disso aconteceu. Eu não sabia o que fazer. Então eu comecei a gritar com ele:

– O que você acha que está fazendo? Não percebe que eu não sei quem eu sou porque você acha que não sabe quem é? Não vê que eu tenho que suportar toda a sua dúvida e angústia existencial porque você não consegue superá-la sozinho? Por que eu? Deixe-me em paz, pare de pensar em mim, me esqueça, eu já cumpri meu papel, ME ESQUEÇA, me deixe sair desse lugar horrível!

É claro que ele ficou chocado, mas continuou parado, entalado nas portas da percepção. Eu tinha vontade de socá-lo, tirá-lo de lá de qualquer jeito. Voltar para o meu lugar. Mas ele estava sentindo a minha dor, e me torturando ainda mais.

– Não! – Eu disse – Esqueça, somente esqueça, não se empatize por mim, você está me trancando aqui dentro. Pare com isso agora! – Mas é claro que isso foi inútil. Ele continuava no mesmo lugar, me encarando com um olhar patético.

– Me desculpe, eu não queria… – É tudo que ele dizia. – Talvez, quando eu for dormir, se você continuar aqui, talvez eu vá embora e você fique no meu lugar. Daí você existirá no meu lugar, o que acha?

– Preste atenção: eu não quero existir. Eu não quero ser você, eu nem sequer tenho uma personalidade. Eu… Eu não sei por que estou perdendo tempo falando com você. Quer dizer, isso é impossível. Eu não devia estar aqui, meu tempo acabou.

– Talvez seu tempo esteja para começar.

Minha mente se encheu de dúvidas. Em primeiro lugar, eu não posso ter uma mente, não uma mente própria. Eu vivo de carona. Como eu poderia pensar por mim mesmo? Eu fui feito para ser o questionamento, não o questionado. Como eu posso estar confuso? Como eu posso fazer perguntas para mim mesmo? Eu não entendo, eu não sei se quero entender. O fato é que meu lugar de nascença havia se tornado meu interlocutor, e talvez ele tivesse um plano maluco, e talvez esse plano estivesse dando certo.

Ele, eu, não sei mais, nós fomos dormir em seguida. Naquela noite eu tive um sonho, meu primeiro sonho. Eu sonhei que havia estes pequenos cartões dentro da nossa cabeça, e que um garoto erguia os cartões com frases e nós olhávamos para o cartão e era impossível evitar, mas acabávamos falando exatamente o que estava escrito neles. O primeiro dizia: “Veja aquele cartão, tem alguma coisa escrita nele”. O segundo dizia: “Como ele sabia que eu ia dizer isso?”.

O terceiro dizia: “É como um maldito deja vu pré-determinado”. E assim por diante, os cartões foram ficando chatos, até que o garoto ergueu um cartão em branco. Eu tentei, eu tentei tão desesperadamente dizer alguma coisa, gritar, gesticular. Mas nada veio à minha mente, eu fiquei em estado de choque, sem conseguir falar nada.

Então eu acordei, neste mesmo estado. Senti que minha alma precisava vomitar, que havia provado alguma coisa estragada e essa coisa tinha comido a si mesma, sei lá. Me senti a pior pessoa do mundo, e de certa forma isso foi muito bom, porque eu achei que jamais poderia sentir coisa alguma. E, por dois segundos, pensei que esses sentimentos não eram meus, não vinham de mim, que eram ecos da mente dele. Mas ele não se manifestou, eu assumi o controle, eu era eu mesmo.

Então a primeira sugestão que eu segui de mim mesmo foi escrever minha história. Eu estava rapidamente me esquecendo dela, logo eu acharia que é tudo ficção, que eu nunca fui outra pessoa, que eu sempre fui eu mesmo. Eu precisava escrever o que havia acontecido, mas minha cabeça doía muito.

Comecei a me lembrar do que precisava fazer, eu queria uma vida totalmente diferente. Eu gostaria até de mudar de nome, mas uma coisa de cada vez. Se havia uma coisa que eu estava pensando comigo mesmo é que nada seria como antes, nem mesmo os sentimentos mais profundos. Eu estava pronto para começar de novo, eu tinha acabado de nascer de verdade. Tinha o mundo à minha frente. Então eu a vi. Ela estava acordando, e disse “Bom dia”. Eu tentei, eu tentei muito, mas foi tão inútil quanto evitar os cartões do sonho: eu me apaixonei perdidamente por ela.

Agora eu precisava de uma boa explicação para ter tomado o lugar do namorado dela. O dia foi passando e eu não conseguia dizer o que havia acontecido, eu me sentia com ciúmes. Eu estava beijando a mulher da minha vida, e tudo era minha primeira vez. Ela disse que me amava, e eu disse que a amava, mas quem é que ela ama? Eu ou o outro? Eu sei que a amo, mas senti ciúmes. Foi aí que percebi que havia um pouco do outro em mim. Nós havíamos trocado de lugar, mas o que realmente tinha mudado?

Minha conclusão foi que ele precisava morrer. Ele não me deixaria em paz. Ele queria ter o amor dela só para ele, ele queria que eu contasse para ela quem eu sou de verdade, mas isso não era possível. Eu estava apaixonado e nós começamos uma briga interna por ela. A parte difícil é não deixar que ele fale, nem por sinais. Eu devo me concentrar em não o deixar vir à tona, nem como um pensamento. Eu o tratava como uma memória perdida, e mesmo assim falsa. Isto me permitia ter a palavra sem deixar que ele falasse, mas ainda era capaz de prever o que ele sentia.

Minha solução foi publicar essa história, mostrando que ele não passa de uma ficção, de um personagem que não importa mais, que eu sou o único que tem uma vida real, porque sou o autor da história. Eu existo, não importa como. Aqui estou eu, no lugar que eu deveria estar desde o começo. É por isso que eu o deixei falar de novo o que ele me disse da primeira vez que nos encontramos: para que ele percebesse que foi escolha dele me deixar aqui. E é por isso que ele não pode me tirar daqui. Ele permanecerá calado, perguntando-me para sempre: “Quem sou eu?”.

A rotina

Dizem que todo mundo muda. Eu não. Desde que eu me lembro, eu vivo do mesmo jeito, faço as mesmas coisas, e isso nunca me pareceu anormal. Por exemplo, quando eu tinha quinze anos eu estava passando por essa mesma esquina, numa bicicleta igual a essa, inclusive pensando na mesma coisa. É que toda vez que passo aqui penso no dia em que um carro quase bateu em mim. O cara virou apressado a esquina, sem dar sinal e sem se importar. Nem me lembro como escapei, mas toda vez que eu passo nessa esquina me dá um frio na barriga. De vez em quando vejo um cara parecido dirigindo do mesmo jeito irresponsável, mas eu não sei se é o mesmo cara.

Estou com quase quarenta agora, certamente muita coisa aconteceu nesse tempo, mas sinceramente nada importante. Minha vida é um desastre, um grande desperdício. Depois de sair da escola comecei a trabalhar na escola. Meus amigos cresceram e foram para uma cidade melhor, mas eles ainda me mandam postais. A rotina do meu dia é uma tortura infernal, eu sinto uma dor na cabeça que não passa nunca, eu até me acostumei com ela. A única coisa que me alegra é que eu encontrei o amor da minha vida!

Quando paro para pensar, o mundo não mudou tanto assim. Lógico, inventaram um monte de coisas, mas eu continuo andando de bicicleta. E a rua continua exatamente como eu me lembrava. Se bem que nos últimos anos tenho a impressão que o Sol tem enfraquecido. Deve ser a poluição, mas tem gente na tevê que diz que o Sol está se apagando e que o mundo vai acabar. Eu acho que são fanáticos religiosos. Incrível quanta coisa a gente consegue pensar ao mesmo tempo. Estou andando na mesma rua, voltando para casa, ansioso para ver meu amor. As coisas não poderiam ser mais rotineiras.

Mas aí que eu ouço alguém gritar meu nome. Olho em volta e não vejo nada. Eu ouvi alguém me chamando. Eu já tive essa sensação antes, mas agora está bem forte… Escureceu de repente, eu olho para o lado e vejo o rosto de uma amiga na janela de um carro. Poxa, quanto tempo faz que eu não a vejo? Desde que era adolescente. Nós andávamos de bicicleta juntos. Parece que foi ontem! Ela tenta falar comigo colocando a cabeça para fora do carro, e parece preocupada. Ela diz alguma coisa, mas não consigo ouvir direito. “Fique conosco, não vá”, ela diz, com uma voz chorosa. Eu não entendo. Eu não fui a lugar nenhum. Ela não mudou nada… Mas espere, ela deve ter minha idade, como é que ela não mudou? Não vejo o rosto dela direito, está ficando escuro demais.

Então o carro dela chega bem perto da minha bicicleta, ela estica o braço para fora e pega na minha mão, com firmeza. Eu fico assustado, mas consigo manter a estabilidade da bicicleta. Eu quero perguntar o que ela está fazendo, mas ela continua pedindo para que eu não vá embora, para que eu não morra. E nesse momento eu penso em responder, mas um carro está vindo na contramão, bem de frente pra mim, com o farol muito alto. Não consigo ver nada, ouço apenas o choro dela e um estranho zumbido no ouvido. Tento desviar, mas ela está segurando minha mão com muita força, não consigo me soltar. Por um momento penso que ela está querendo me matar. Mas não consigo entender porque ela faria isso. O carro parece ser muito grande, o farol está forte demais, não consigo ver nada. Não sinto mais minhas pernas pedalando. Não sinto minhas mãos. Não sinto o impacto com o veículo, eu apenas entro lá dentro. Por algum motivo penso no dia do acidente, e então não me lembro de mais nada…

Tânatos

Quando você invade o sonho de outra pessoa, você pode se tornar consciente, mas não tem controle do sonho. O que torna a experiência muito mais real e perigosa.

Eu me lembro de estar num banheiro, olhando para o espelho, pensando se estava louco.

Quando você entra num banheiro, mas não tem vontade de usar e se sente deslocado lá, é provável que esteja no sonho de outra pessoa. Quem pensa em banheiro sem ter vontade de usar?

Penso agora se a imagem no espelho era minha autoimagem ou a imagem que outra pessoa tem de mim. Parecia um espelho real. Daquele tipo que faz você dizer: “É assim que os outros me enxergam?”.

Como funcionam os espelhos dentro de um sonho? É como se olhar de fora e de dentro ao mesmo tempo?

Eu fiquei um tempo conversando comigo mesmo no espelho, tentando pensar no que fazer. Que lugar é esse? Mas a única coisa que me vinha na cabeça era: “Eu pirei de vez”.

Não adianta tentar contatar seu amigo, ele provavelmente não estará consciente como você. E tomara que não esteja, porque isso seria muito mais perigoso. Ele precisa achar que você é mais um personagem do sonho dele. Mas há maneiras sutis de se comunicar com ele.

Eu disse: “Eu estou pirando, cara. Isso aqui é muito doido”. Mas ele me ignorou, e por algum motivo eu não me surpreendi. Ele começou a falar de outro assunto como se eu não tivesse dito nada, ou como se ele não tivesse ouvido. Ele apontou para um pôster na parede e disse que era um pôster muito doido.

Seu amigo pode sentir quando você está perto dele, mas é bom não interagir demais com ele. Lembre-se, você está no inconsciente dele, a comunicação aqui é muito restrita. Ele só entenderá mensagens simples.

Apareceu uma garota do nada. Ela tomou a cena, falou comigo, depois ela se dirigiu ao meu amigo e ele a beijou entusiasticamente.

Sexo é algo bastante básico no subconsciente.

Nesse momento já não estávamos mais num banheiro. Eu ouvi risadas e me desloquei para um lugar onde três amigas estavam sentadas conversando. Elas riram de mim por causa do que aconteceu. É meio embaraçoso estar no sonho de outra pessoa num momento desses. Então eu disse para elas: “É o subconsciente, o que esperavam?”. E conversamos por um bom tempo, principalmente sobre a experiência de conversar em sonhos, de como essas conversas são reais. “Eu falo com você exatamente como estou falando agora, e sua maneira de responder é exatamente a mesma”. Ela hesitou para concordar, exatamente como faria na vida real.

Lógico, porque a imaginação seria menos real?

Nós continuamos conversando por um tempo, então estávamos em campo aberto, o chão era de terra. Um garotinho veio chorando até mim. Ele estava rezando: “Jesus, faz o Tiago largar as drogas”. Eu fiquei com pena dele. E nesse momento apareceu um homem grande, e começou a bater no menino. E numa poça de lama ali perto estava um garoto mais velho, dopado. Imaginei que fosse o Tiago. Então eu fiquei ouvindo o choro do menino e me senti tão impotente que caí de joelhos e comecei a chorar, sem conseguir fazer mais nada.

Obviamente os instantes em que sua mente encontra a mente de outra pessoa em sonhos são muito raros. Depois disso você vai para outro lugar. Onde? Ninguém pode saber. Os momentos de lucidez acabam sem a gente perceber. Terá sorte se voltar para seu próprio sonho.

Neste momento eu ouvi aquela voz interna. Ela disse: “Não faça isso”. Levantei e vi o olhar do menino, sendo arrastado pelo pai. Ele estava decepcionado comigo, por eu não ter conseguido fazer nada. Então eu contive o choro, me levantei e fui atrás dele, tentando reparar meu erro. Eu pedia para ele esperar, eu pedia para me deixar ajudar. Em vão. Eu estava andando numa outra rua. Estava definitivamente de volta a mim.

Então eu voltei a chorar, mas de raiva. Eu andava e dizia: “Filho da puta. Filho da puta que fez o mundo assim. Por que o mundo tem que ser assim?”. E a voz interna dizia: “Não tem que ser assim, alguns tentam mudar. Você tenta mudar”.

– E o que eu posso fazer? Tudo que eu faço é inútil.

– Você não pode perder a esperança.

– Tantas vezes eu acreditei e desacreditei. Eu não quero mais.

– Não repita esse ciclo.

– É tão fácil acreditar que podemos mudar algo que não pode ser mudado… Eu não quero me enganar de novo.

– Então não se engane…

Eu acordei. Essa coisinha no meu cérebro… é uma armadilha. Num momento de fraqueza você encara tudo que tem de ruim no mundo, e você não sabe o que fazer. Você quer aceitar uma mentira confortável. Mas aceitar a mentira é se entregar ao medo na sua pior forma. Não vou perder a esperança, mas vou abandonar as falsas esperanças. Faço isso por mim mesmo, ninguém pode fazer isso por mim.

Aí acordei de verdade.

Diário de sonhos

20/11/17

Eu estava cercado de crianças. Havia uma fogueira e nela eu conseguia ver as imagens das crianças brincando, como se fosse um espelho para o passado. Eu fiquei olhando e o tempo dessas imagens foi se aproximando ao tempo real, até que eu me vi no espelho. E eu estava azul e morto.

21/11/17

Estou andando na rua com um rapaz e uma garota. Passando em frente a um bar, o rapaz grita “Golpista!” para alguém que está sentado. Essa pessoa se levanta e diz: “Corre!”, e ele é enorme. A garota corre e ele começa a correr atrás dela. Eu e o rapaz tentamos parar o gigante, mas ele é muito grande. Eu acordo desesperado, socando o travesseiro.

27/11/17

Eu acordo e me levanto da cama empolgado porque estou num sonho lúcido e estou em pleno controle dos meus movimentos. Estou muito ansioso para explorar a geografia do meu sonho, então eu saio pela janela e vou voando sobre um rio colorido muito bonito, que parece outro planeta, enquanto me lembro que já estive aqui antes, em outro sonho lúcido, mas nunca consegui ver muita coisa porque sempre acordo. Infelizmente o sonho é bruscamente interrompido, uma imagem do azulejo da parede do meu quarto aparece, sem transição, como se eu tivesse aberto o olho, e o sonho acaba instantaneamente. Eu acordo decepcionado e chocado com a rapidez com que o sonho acabou, como se minha memória tivesse sido apagada naquele ponto específico.

30/11/17

Eu chego em casa e recebo a notícia que alguém que eu não via há anos veio me visitar. Eu começo a procurar a pessoa pela casa, muito empolgado de saudade, mas não a encontro em lugar nenhum. Deduzo que ela está no banheiro, vou pra porta do banheiro e fico esperando ela sair. Quando ela sai, ela está tão velha que se tornou quase irreconhecível. Eu olho nos olhos dela, reconheço o olhar, fico muito emocionado e dou um abraço. Acordo com uma lágrima de alegria.

11/06/18

A minha vida está acontecendo dentro de um navio, eu me sinto desesperado com algo e vou para a proa do navio. Está escuro, estou com medo, pedindo a ajuda. Eu quero sair de lá, mas resolvo ficar para enfrentar o medo. Eu avisto um grupo de baleias dançando no mar. É muito bonito, mas eu continuo com medo. Acordo ofegante.

Autor: Janos Biro

Filosofista, anarquista, bicicleteiro, tradutor, zineiro e joguista.

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