A sociologia de Durkheim

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Um pequeno resumo da sociologia de Durkheim

Introdução: Diferenças entre Durkheim e Marx

Assim como Marx, Durkheim foca a sua análise na estrutura da sociedade. Mas enquanto Marx trata das contradições inerentes a essa estrutura e tem uma preocupação com a transformação social, Durkheim analisa as interações que conservam a estrutura, ou seja, o tipo de solidariedade entre os membros da sociedade. Ambos estão estudando a modernidade, que para Marx é caracterizada pelo sistema econômico capitalista, e para Durkheim, pela complexificação da divisão do trabalho social. Para Marx existe uma relação dialética entre sujeito e sociedade, e ele considera o Estado como um aparato que defende os ideais da classe burguesa. Para Durkheim, o sujeito é determinado pela sociedade, numa relação direta que flui do coletivo para o individual. Sua concepção de história é linear, com sentido imanente, na qual podemos reconhecer uma crença positivista no progresso. O Estado ideal seria uma instituição que atende aos interesses de todos, e não aos interesses de grupos.

Em resumo, ao invés de se focar no conflito, Durkheim se foca na interação e na coesão como fator constitutivo da sociedade. A modernidade produziu a articulação orgânica e funcional dos seus componentes, abandonando um estágio caracterizado pela tradição religiosa e guerreira para um estágio caracterizado pela ciência e pela indústria, que apontavam para um futuro próspero e pacífico para a humanidade. Estas expectativas foram frustradas com o advento das duas guerras mundiais, enquanto o mundo se viu entrando num novo estágio de violência e ignorância que está longe de ser superado. Mas a sociologia de Durkheim permanece relevante como uma sociologia das instituições, que mostra com muita nitidez o processo de manutenção das estruturas sociais e influencia a sociologia funcionalista e estruturalista.

Fato social

Para Durkheim, a sociologia é o estudo dos fatos sociais, pois a sociedade é o complexo integrado de fatos sociais. Um fato social é uma realidade objetiva e experimental, e deve ser vista sempre como o objeto e não o sujeito de um fenômeno. Uma das contribuições importantes de Durkheim foi caracterizar a sociologia como uma ciência independente, consolidando o método de investigação sociológica e definindo seu objeto próprio de pesquisa. O método de Durkheim pode ser descrito como um método cartesiano aplicado às ciências sociais. Os fatos sociais são analisados de acordo com uma razão experimental indutiva, ou seja, partindo do particular para o geral. Durkheim se preocupou com a questão da objetividade, da neutralidade e da imparcialidade. Para ele, essas variáveis são alcançadas quando o pesquisador consegue se distanciar do objeto de estudo o suficiente para despir-se dos seus juízos de valor e evitar deformações ou mera reprodução do conhecimento do senso comum. Não importa o quão difícil seja aceitar uma conclusão sociológica como verdadeira, a verdade deve necessariamente ser a explicação que sobra quando todas as outras alternativas são refutadas.

Em resumo, o método de Durkheim pode ser caracterizado em três pontos: 1 – Encontrar a causa do fato social. É preciso ir até as causas, e não ficar apenas na descrição dos efeitos. 2 – Observar o fenômeno que antecedeu o fato social e o produziu. Como a concepção de Durkheim era a de que os fatos seguem uma cadeia linear de causação, a conexão de um fato social com os outros é uma parte importante da explicação sociológica. 3 – Indicar a função daquele fato social para a sociedade. A função que um fato social desempenha na sociedade é como a função de um órgão num organismo, e por isso identificar se o fato é anômalo ou não, ou seja, o modo como ele influencia na coesão da sociedade, é essencial para saber como lidar com ele.

Consciência individual e consciência coletiva

Estes dois termos são de grande importância para a obra de Durkheim. Para ele, as representações coletivas são produtos da cooperação entre as pessoas. O homem possui um ser social e um ser individual, dos quais o ser social supera o individual, de modo que o meio molda o indivíduo. De acordo com a análise de Durkheim, o desenvolvimento da sociedade se dá com o aumento da densidade populacional e da densidade moral, por meio da diferenciação social. Isto também significa a substituição do direito repressivo pelo direito restitutivo. Essa diferenciação não obedece à lógica da consciência individual, mas da divisão do trabalho. Embora a consciência coletiva seja a média das crenças e sentimentos comuns, ela atua sobre a consciência individual, constrangendo-a moralmente.

O suicídio como objeto da sociologia

Depois de definir as regras do método sociológico, Durkheim as aplicou a um objeto que dificilmente seria aceito como algo apropriado para uma explicação sociológica: o suicídio. Convencido de que se tratava de um fato social, sua análise demonstra nitidamente a diferença entre a sociologia e a psicologia. Durkheim classifica o fenômeno do suicídio em três tipos: 1 – Suicídio egoísta: é aquele em que o interesse individual ultrapassa o coletivo, causado quando o indivíduo não se integra mais à sociedade. 2 – Suicídio anômico: É um suicídio causado pela ausência de regras sociais, ou perda do sentido das regras sociais, logo após um afrouxamento dos laços sociais que ligam um indivíduo a um corpo social. 3 – Suicídio altruísta: ao contrário do egoísta, é o suicídio que decorre do cumprimento de um dever social, em que o indivíduo dá a sua vida para restituir algo ao seu grupo social. Com sua análise, Durkheim não apenas mostra que o suicídio é um fato social legítimo, mas que a constituição moral da sociedade estabelece o contingente de mortes voluntárias. Ou seja, há uma força coletiva para autodestruição que pode ser explicada em termos de fatores sociais, e não meramente psicológicos.

Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica

Durkheim analisa as mudanças sociais que caracterizam a modernidade como uma passagem de um estágio de solidariedade mecânica para um estágio de solidariedade orgânica. Esta última é caracterizada pela especialização ao invés da semelhança. Quanto maior o grau especialização, maior o grau de interdependência dos membros da sociedade. Quer dizer que a divisão das tarefas leva ao progresso e ao crescimento da densidade moral, condensando a sociedade num coletivo de consciências coletivas que interagem entre si.

O fenômeno religioso como objeto da sociologia

O estudo de Durkheim sobre as formas elementares da vida religiosa representa uma transição do método positivista para o método funcionalista. Não significa uma superação completa da filosofia positivista, mas antes um foco na função dos fatos sociais. Durkheim define a religião como o conjunto das “representações fundamentais e atitudes rituais que apresentam o mesmo significado objetivo e também exerçam as mesmas funções”. O sistema religioso idealiza o real. “Celebrar a vida significa simbolizar atos que mantém a referência do mundo ideal no mundo real”. Seu estudo se focou no sistema totêmico da Austrália, porque este era considerado por Durkheim como mais simples, e por isso mais geral.

Seguindo esse raciocínio, o essencial das religiões são as crenças e os ritos, e não o sobrenatural ou a divindade. Crenças e ritos definem comportamentos sociais e padrões morais. As religiões mobilizam as pessoas e estabelecem as bases de compreensão da realidade. É neste sentido que Durkheim mistura a sociologia da religião à sociologia do conhecimento. A religião seria a base da ciência e da filosofia. O binômio “sagrado e profano” é um aspecto característico do fenômeno religioso. Ele pressupõe uma divisão bipartida do universo conhecido e conhecível em dois gêneros que compreendem tudo que existe, mas que se excluem radicalmente. Os ritos são regras de comportamento em relação às coisas sagradas. Uma religião é uma união entre crenças e ritos que se centram para determinadas coisas sagradas. Uma igreja é uma sociedade que concebe o mundo divido entre sagrado e profano, e traduz esse conhecimento em práticas idênticas.

Conclusão: a importância de Durkheim para as ciências sociais

O pensamento de Durkheim tem uma influência considerável sobre as ciências sociais atualmente, especialmente para a sociologia francesa e para a antropologia. Uma de suas características é definir os conceitos que usa de modo nítido e conciso e pensar as instituições em termos de sua função para a sociedade.

Referências:

DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Paulus, 1989.

DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

DURKHEIM, Émile. Da Divisão do Trabalho Social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

DURKHEIM, Émile. O Suicídio. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Autor: Janos Biro

Escritor e tradutor focado em filosofia, anarquia e crítica à civilização.

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