Anarquia & Álcool

Anarquia & Álcool é um zine de 2008 do coletivo Crimethinc, traduzido em 2019. Ele é composto de dois textos sobre política anarquista e o consumo de álcool.

O ponto central do primeiro texto deste zine é a distinção entre êxtase e intoxicação: “não somos contra a embriaguez, mas sim contra a bebida! Aqueles que abraçam a bebida como um caminho para a embriaguez se perdem de uma vida de encantamento.”

O capitalismo historicamente usou drogas como o álcool como forma de controle social. Portanto, apesar de impopular, é importante discutir o papel do álcool num movimento anticapitalista: 

“Álcool, como o Prozac e todos os outros medicamentos controladores da mente que hoje estão gerando muito dinheiro para o “grande irmão”, substitui a cura pelo tratamento de sintomas. Ele tira a dor de uma existência maçante e monótona por algumas horas, no melhor dos casos, e então a devolve em dobro.”

Existe uma falsa rebelião na embriaguez assim como uma falsa moralidade na abstinência: “O primeiro precisa do segundo para fazer seus rituais sombrios parecerem divertidos; e o segundo precisa do primeiro para fazer sua rígida austeridade parecer senso comum”. O zine também cita o papel do álcool na cultura do estupro. 

Ele também atenta para uma questão de classe: quem mais se prejudica com o vício são os pobres, não os ricos. Além disso, comenta sobre como o álcool é um problema social, e não individual: 

“Quando uma ou duas pessoas param de beber, parece sem sentido, como se estivessem se expulsando da companhia (ou pelo menos dos costumes) de seus semelhantes por nada. Mas uma comunidade dessas pessoas pode desenvolver uma cultura radical de aventura sóbria e engajamento, que pode eventualmente oferecer oportunidades emocionantes para atividades sem bebida e com diversão para todos.”

O segundo texto, “Como a civilização se tornou viciada ou como os viciados se tornaram civilizados” trata-se de um argumento anarcoprimitivista e antipatriarcal contra o alcoolismo. Ele revê a história do álcool e sua participação na domesticação humana e na criação da civilização: 

“A maioria dos antropólogos considera o início da agricultura como o começo da civilização. Foi o primeiro ato de controle sobre a terra que levou os seres humanos a pensarem em si mesmos como distintos da natureza, que os forçou a virar sedentários e possessivos, que levou ao eventual desenvolvimento da propriedade privada e do capitalismo.”

Uma vez que a difusão da civilização não foi voluntária, a difusão do vício em álcool também não foi. Há uma relação entre a fabricação da cerveja e a criação do estado:

“O nascimento do capitalismo e do estado-nação começou com a comercialização da cerveja. Os mosteiros, transbordando de mais cerveja do que eles próprios podiam consumir, começaram a vendê-la para as aldeias vizinhas. Os mosteiros dobravam à noite como pubs, e esses homens de Deus criaram algumas das primeiras empresas lucrativas bem administradas. Com o enfraquecimento do poder da Igreja e a ascensão do estado-nação moderno, reis e duques passaram a fechar os mosteiros isentos de impostos.”

Porém existe também uma história não-patriarcal da fermentação de bebidas alcoólicas. As “bruxas” da Idade Média fermentavam bebidas a partir de diferentes componentes, e que tinham diversos efeitos curativos, porém foram sabotadas pelo estado:

“O duque da Baviera, Wilhelm IV, aprovou a Lei da Pureza da Cerveja para anular toda a diversidade subversiva da fermentação. A partir de 1516, a cerveja passou a ser produzida apenas com o lúpulo sedativo: a partir de então todo o álcool foi homogeneizado e qualquer tecnologia de fermentação medicinal ou restauradora que existisse foi perdida. A bebida à base de lúpulo causa falta de coordenação, incapacidade de pensar com clareza e, eventualmente, uma morte lenta – todas as qualidades necessárias para tornar os camponeses alemães e os trabalhadores temporários modernos incapazes de se revoltar.”

Assim, o alcoolismo foi uma das ferramentas de dominação colonial. Benjamin Franklin teria sugerido o uso do álcool para “varrer os selvagens e dar lugar aos cultivadores da terra”. A industrialização apenas piorou o problema:

“Após a invenção da linha de montagem, a cerveja passou a ser produzida em massa em escala cada vez maior. Ao longo dos dois séculos desde então, a indústria do álcool – como todas as indústrias capitalistas – foi consolidada por algumas grandes empresas controladas feudalmente por famílias como o infame sindicato da cerveja Anheuser-Busch (famoso por suas conexões com grupos de direita e fundamentalistas religiosos).”

O texto conclui falando sobre a luta contra o alcoolismo como forma de resistência ao capitalismo:

“A civilização – e tudo de nocivo e funesto que ela engendra – desmoronará quando surgir um movimento de resistência que possa represar a torrente de álcool que imobiliza as massas. O mundo agora espera por uma temperança que possa se defender, por uma visão radical desanuviada pela bebida, por uma sobriedade revolucionária que nos levará de volta ao estado extático de selvageria.”

Autor: Janos Biro

Escritor e tradutor focado em filosofia, anarquia e crítica à civilização.

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