Uma resenha do filme O Livro de Eli (2010) de Gary Whitta.
“Uma civilização é destruída somente quando seus deuses são destruídos” – Emil Cioran
Esta frase abre o script[1] do filme O Livro de Eli. Para Gary Whitta, autor do script, o filme é sobre como a religião pode ser boa ou má dependendo de quem a usa[2]. Seu argumento pode ser resumido pelo discurso do antagonista, Carnegie (interpretado por Gary Oldman): A Bíblia é uma arma apontada para os corações e mentes dos fracos e desesperados. Sem ela não é possível expandir os limites da dominação das massas. Com ela, é possível reconstruir a civilização mesmo após um colapso.
É nossa tentativa de construir uma grande civilização que leva a uma guerra de proporções globais. A civilização é expansiva, e por isso insustentável. No filme, a religião é uma ferramenta da tirania. Como disse Aristóteles: “Um tirano deve dar a aparência de uma devoção incomum à religião. Os súditos ficam menos apreensivos com o tratamento ilegal de um governante que eles consideram temente a Deus e piedoso. Por outro lado, eles se movem contra ele menos facilmente, acreditando que ele tem os deuses do seu lado”[3]. Logo, a religião é apresentada como principal produtora de uma sociedade baseada no poder centralizado. Seria preciso destruí-la para acabar com tal centralização? E se a civilização moderna caminhasse em direção ao poder descentralizado da sociedade de controle, ao invés da tirania?
Nesse caso, há alguns detalhes a serem levados em consideração: Devemos considerar a relação entre a civilização e a religião como um todo ou somente certas religiões? O que fazer com o “bom cristão”, que aparentemente consegue extrair o que há de bom na Bíblia, mesmo que ela permaneça sendo usada como um manual para tiranos? O “bom cristão” seria aquele que vive de acordo com uma verdade simples: Faça aos outros mais do que faz a si mesmo. Esse altruísmo é suficiente para a vida social? Ele depende da crença em algo sobrenatural? O “bom cristão” seria realmente uma boa pessoa? Teria ele capacidade de separar a ética e a religião?
Não faltam armas apontadas para os corações daqueles que se consideram mais fortes que as pessoas religiosas. A civilização também pode ser construída com base num humanismo secular, na ausência de religiões. Se a religião é uma criação humana, a “raiz do mal” é a mente humana. A incapacidade de separar a ética e a ciência pode ser um problema tão ou mais grave.
Considerar a religião como a raiz de todo mal se mostra bastante problemático. Seria como dizer que Aristóteles é a raiz de todo mal. A história também mostra como o pensamento aristotélico fez toda a diferença na expansão da civilização ocidental. A história da escravidão moderna não seria a mesma sem os pressupostos filosóficos do “pai da ciência”.
Uma boa pessoa não é aquela que adota um bom discurso para seu próprio benefício, mas aquela que adota um modo de vida baseado em bons princípios, independente do seu discurso. A pessoa pode errar ou acertar, o importante é para onde está mirando. A questão agora é como encontrar tais princípios. Para onde mirar?
Notas:
[1] http://www.imsdb.com/scripts/Book-of-Eli,-The.html
[2] http://www.nightmare-magazine.com/nonfiction/interview-gary-whitta
[3] Aristóteles. Política. Traduzido do inglês.