
Esta é uma coleção de pequenas ofensas que eu rabisquei no meu caderno quando eu tinha entre 16 e 18 anos (no fim dos anos 90), selecionadas por exclusão.
Recorte de criança
A morte
é minha única defesa
contra
a incerteza
Eu
quero recortar
os dedos e as orelhas
E mesmo
sofrendo tão pouco
eu ouso
gritar por socorro
Dá um tempo agora
olha a hora
não demora
Me dê seu tempo pra mim
(…)
Quando
é um lugar tão distante
e vai ficando difícil
ultrapassar sua verdade
É tarde
É tolo
É vício
discreto
Discrepância
que não cabe
no menor ouvido…
Estamos redundantemente enganados
E zunimos em torno de um brilho
E falamos na primeira pessoa do plural
Quando não deveríamos generalizar
E escondemos nossas faces atrás de maquiagens
E escondemos nossos corpos atrás de academias
E não nos vemos no espelho quebrado
Que nos corta e não sentimos
Usamos uma linguagem que significa dinheiro
Música, cinema, tudo repetido
E gostamos de nos criticar
Sem nem tentar fazer algo para mudar
Dizemos que a sociedade é culpada
E não nos incluímos nela
Perdemos nosso tempo com dores insípidas
Matamos e morremos esperando perdão
Escrevemos críticas a nós
Para esconder nossos próprios erros
Achamos que não há mais nada novo
Enquanto destruímos o que ainda resta
Achamos que palavras bonitas
Podem confortar e explicar tudo
Que bons argumentos nos farão vitoriosos
Somos hipócritas porque inventamos essa palavra
Lugar
Um romance hematófago
Capítulo I
– O mundo não é uma maçã.
FIM
Nota do autor:
O leitor entende como é engraçada essa falta de graça das minhas piadas. Eu as transcrevi aqui resumidas num fruto, uma negação e um mundo. Tudo está aqui e é impossível dizer algo a mais.
Como pude ser tão completamente completo? Como pude deixar queimar minha casa nas cinzas das minhas lágrimas? Como pude rasgar meus lábios e quebrar meus dentes quando te beijei?
Como? Quando? São todos lugares, te ensino como viajar pra lá. Meus pais não gostam de ter um filho surreal. Acho que ninguém gosta. Desculpem. O último lugar que quero estar é no seu coração, esse músculo sangrento que acha que pode pensar por si só.
A felicidade e a verdade
Pertencem a mim
Eu sou cristão
Eu amo todo mundo
Pobres bastardos
Que vão arder no inferno
Eu acredito em Deus
E no Senhor Jesus
Que se fodam os judeus
Não sou o dono da verdade
Mas achado não é roubado
Achei a verdade e por isso mereço ser rico
Então me siga ou morra
Você tem o livre arbítrio
Então escolha
Eu amo a Deus acima de todas as coisas
Não sou egoísta
Mas alguém tem que ir pro céu
Não tenho culpa
Se você preferiu ser mau
Perdoo sua existência, irmão
E tenho pena da mediocridade da sua alma
O vigia morreu
Está caindo
Da torre
Não deixe seu sangue
Espirrar nas minhas roupas
Não deixe seu corpo
Assustar meus filhos
Não deixe sua morte
Atrapalhar-me
O velho vigia morreu
Mas vamos pôr prioridades aqui
Não há nada que eu possa fazer
Então não deixe que isso
Atrapalhe-me a vencer
Esses velhos que não tem o que fazer
Vão à igreja passar o tempo
E nem fazem o favor de morrer num domingo
Anônimo
Pobre jovem poeta
Tão convencido
Que se chama de poeta
Tão hipócrita
E tão autocrítico
Não há perspectiva
Só há plágio
Inocente ou precognitivo
O egocentrismo
Tornou-se divino
Perfeitamente imperfeito
Adorável e nojento
Escrevendo sobre nada
Ignorando a gramática
Acentuando minha lábia
E usando uma rima fraca
Odeio o que sou
E muito mais o que não sou
Não queria ser ninguém
Nem todo mundo
Não sei meu próprio nome
Mas meu nome não é cultura
Então leia livros caros de autores mortos
E não dos que não vivem
Violenta ternura
Esmague-me sem motivo
Acabe comigo
Porque não consigo te entender
Gostaria de não mentir
E dizer que tudo é mentira
Mas não sei mais se estou mentindo
Ou fingindo que estou
Joguei meu cérebro no liquidificador
Só por brincadeira, mas liguei sem querer
Aproveitei pra fazer uma vitamina
E pensar sobre como é não ter que pensar
Eu não o usava mesmo
Talvez tenha evitado o câncer
Mas e daí?
Existem mais onze signos
Reclamar é a primeira coisa que aprendemos
Aceitar é quase sempre a última
Mas pensamento é só um passatempo
Somos copos transbordando secos
Ouça os sinos do esquecimento
O hino da desumanização
O canto da programação
Vão te ninar agora
Ouça a canção
Preste atenção
No que importa
O que importa
Não são minhas palavras sem nada
Ouça a música da renovação
Pois tudo estará sempre novo
Emperrado na revolução
Ouça a voz do progresso
Busque o novo sempre
Jogue fora o velho
Evolua
Dance a sinfonia
Depois cuspa palavras de arrependimento
Deixe para entender quando morrer
Deixe para sofrer quando vier a dor
Inflija-a lentamente
Esqueça
Escute a melodia da vida
Que é fazer algo com ela
É o que há pra se fazer com ela
Quando se ouve apenas o que se deve ouvir
Há pouca vida no meu tédio
Pouco dia no meu desperdício
Pouca proteína no meu lixo
Pouca realidade na minha frente
E tempo demais
Gente demais
Há pouca arte no meu plástico
Pouco sorriso no meu fingimento
Pouco descanso no meu sono
E cores demais
Brilho demais
Há pouca memória no meu vazio
Pouca velocidade na minha asfixia
Pouco metal nos meus escombros
Pouco mais do que devia
E tanta compaixão
E tantos esconderijos
E tantos espelhos
Corrupção, violência e ignorância
Sabe do que você precisa?
Precisa de algo para se sentir bem
Precisa de algo para sentir que ainda está tudo bem
Precisa de algo para sentir que faz o bem
Corrupção, violência e ignorância
Vamos repetir até morrer
Vamos repetir enquanto morremos
Vamos repetir para morrermos
Corrupção, violência e ignorância
São tão bobas quanto cores
Quadrados e algodões
Nós exigimos autoconhecimento
Imediato, verdadeiro e perfeito
Você precisa de algo para negar o mal
Precisa de algo para sentir que não é mau
Precisa de algo para sentir que não há mal algum
Na corrupção, violência e ignorância
Teofilia
Teofagia
Controlado por um fundo monetário
Controlado por uma rede de tevê
Ganhando dinheiro
Com a falta de saúde e educação
Sorrindo para o deus morto
Assistindo o mundo
Do espelho quebrado
Mas a maquiagem borrou seus olhos
Teonecromancia
Teonecrofilia
Teonecrofagia
Tecnoteonecropatia
Comem seu deus
E se perdem na contradição
Dos ensinamentos mortos
Sendo digeridos hoje
Pirofiloteofobia
Duoteoantilogia
Pseudoteoprotocracia
Arrependa-se de sua tolerância
Pois só nossa religião salva
Agradeça ao casamento
Pois sem ele não haveria igreja
Arrependa-se da razão
E prefira acreditar na utopia
Agradeça à corrupção
Pois sem ela não venderíamos salvação
Arrependa-se da inteligência
Pois já temos todas as respostas
Agradeça ao medo
Pois devemos você a ele
Arrependa-se dos instintos
Não devemos ser naturais
Agradeça a dor
Pois daremos o alívio viciante
Arrependa-se da liberdade
Precisamos de submissão
Agradeça ao mal
Por nós termos a sua alma
É uma pena jogar esta folha em branco fora, por isso resolvi enchê-la com o que me vier na cabeça, então sei que será apenas besteira e eu poderei jogar esta folha cheia de besteiras fora e manter minha consciência limpa.
Mas por que escrever tanto assim pro lixo? Tudo que se escreve é pro lixo. Parafraseando Machado de Assis em Memórias póstumas de Braz Cubas: não, espere aí, cancela. Não vou parafrasear ninguém. Nem sei direito o que é parafrasear. Vou frasear mesmo: O que se produz artisticamente tem vida, portanto passa um tempo e morre. Toda obra é póstuma sim, mas também toda obra é morta porque morreu assim que foi feita.
Sobram apenas as suposições do que um dia ela foi. Os leitores são como arqueólogos examinando um fóssil, interpretando de maneiras diferentes como cada obra deveria se comportar quando estava viva, dentro da mente do autor.
A obra é um embrião frio que nasce no fogo, morrendo sem se perceber. Às vezes morre enforcado no cordão umbilical das ideias, às vezes morre de tédio à espera da morte. Já vi obras que morreram de medo de saber que nasceriam mortas. E uma vez apenas, houve uma obra sobrevivente, para a alegria dos otimistas de plantão. Não se sabe por onde vai, não se sabe o que é nem o que faz. Não se pode saber nada sobre ela, pois o que se sabia dela é que ela não existia. E assim são as obras.
Toda essa loucura de escrever pra ninguém é mentira. Satisfaço todos os eus dentro de mim quando faço um labirinto sem saída, uma carta escondida para mim mesmo ou toda coisa inútil que é tão útil quanto qualquer outra coisa. E estou, novamente, depressivamente feliz e talvez acabe sendo egoísta o suficiente para não jogar esta folha fora afinal de contas. Como o suicida que nunca quis morrer, só queria que alguém se preocupasse com ele.
Paratexto
Debaixo das camas dos homofóbicos
Existem três medos antropomórficos
O primeiro é disruptivo
E morre sempre
Nos trilhos da praça do menor deslize
A segunda se reveza
Na tarde vermelha da solidão
Tentando vencer
Pobres sistemas de decepção coligativa
O terceiro
É o quarto poder
E a sétima arte
É um invejoso inflável
Que não se contenta em saber
Que está errado
E tenta tapar o sol
Com telepatia
Olá, você não me conhece
E nem vai
Mas eu estou aqui sentado na mesa
escrevendo
E você, eu não te conheço
E nem quero
Estou escrevendo pra você
Não ler
E estou aqui nessa mesa
rindo
Das impossibilidades
Olá, eu te vi aí
E pensei como seria escrever pra você
Não quero dizer nada
E nem vou
Mas eu estou aqui olhando praí
E imaginando você lendo isso
Que não é nada
Não é nada mesmo
Não me entenda
Estou cansado de escrever por motivos
Pretendo ser mais nada
Eu queria não dizer isto a você
E depois iria embora
Para nunca mais te ver
a -Quem disse isso?
B -Quem disse isso?
A -Fale!
B -Fale!
A -Pare de dizer o que eu vou dizer.
B -Pare de… Mas é você que está dizendo o que eu vou
dizer.
Ab -Quem é você?
Ab -Onde você está?
Ab -Pare de falar ao mesmo tempo em que eu!
A -Você é louco? Pare!
B -Mas foi você que começou e não quer aparecer.
A -Este é o seu monólogo?
B -Eu deveria estar sozinho aqui.
A -Deveria? Que maneira egoísta de tratar sua esquizofrenia. Por que não admite que fala sozinho?
E a voz nunca mais o ouviu.
A balança pendia para a esquerda, onde havia uma taça de sangue e sêmen. Então caiu uma lágrima e a saliva de um beijo no outro lado. Pesavam tanto mais que o conteúdo da taça foi arremessado, mas voltou todo para ela. A balança agora pendia para a direita:
Um homem e uma mulher cavalgavam por um pasto vermelho. A mulher se aproxima do homem.
– “Às vezes não parece que estamos num mar de sangue e sêmen?” Ele a olha por um segundo, voltando a olhar pra frente.
– “Não”. Ela fica calada por um tempo, então volta a se aproximar.
– “Parece sim”. Ela fixa seu olhar no horizonte, pensativa.
– “Não tem algo falhando?” E ouve-se o eco por todo pasto: “faltando, faltando, faltando…”.
O homem pensa um pouco e depois se vira para ela, preocupado.
– “Você disse…?”. E eles se afogam num mar de sangue e sêmen.
Algumas vezes
Algumas vezes quem você culpa
É realmente o culpado
Algumas vezes até os ladrões
Se esquecem de pagar a conta
Algumas vezes o que você acredita
Poderia até mesmo ser verdade
Algumas vezes seus desejos mais profundos
Se realizam sem ter que prejudicar ninguém
Algumas vezes você passa o dia inteiro
Sem matar nenhuma criança miserável
Algumas vezes seus pais
Sabem tudo que você precisa para ser feliz
Algumas vezes você ouve quem tem razão
E tudo dá certo
Algumas vezes só há frases originais e corretas
Algumas vezes até você consegue entender
Algumas vezes
Elogio
Pra fingir que está tudo bem
Elogio
Masturbo seu egoísmo
E você me elogia também
Não faço caso disso
Um elogio
Pra esquecer que está tudo mal
Elogio
Não sou tão ruim assim
Eu não existo
Não estou morto, mas eu insisto
Eu não existo
Eu não reconheço meus erros
Eu os abandonei
Eu não reconheço meu rosto
Eu o elogiei
Não sou pirado, mas não resisto
Eu não existo
Não sei o que vim procurar
Um falso sorriso
Tudo está bem quando acaba bem
E bonito, e rico
Não sou sincero por isso entendo
Um elogio
Será que foi alguma coisa que eu não disse, desculpa. Eu esqueci e a culpa não é minha. Eu só me esqueci de você e você ainda estava na minha frente e eu estava na sua e não te vi. Eu estava na frente e comecei a pensar em mim e eu sou cheio de detalhes e me perdi
E eu fiquei tão contente de te enrolar assim e você começou a girar em torno de mim e eu não posso mais insistir desistir inspirar respirar
Ar Ar Ar
Eu me afoguei nas suas mágoas e você não entendeu nada.
Ar Ar Ar
Eu respirei da sua fumaça e era você que queimava
Ar Ar
Faço manobras para chegar no jeito mais fácil de te provocar
uma queda
Eu mergulhei na tua piscina, valorize meu suspiro pra você é tudo que eu posso fazer
Ruminantes
Saímos loucos todas as filoesias-desculpas-perdas de tempo para a finalidade da vida, que é viver até morrer. Mas sempre se quer viver de novo, só para morrer mais, e saímos não mais loucos todos os ruminantes cheirando filopedias asmáticas deixadas pra trás e de verdade, na verdade, a verdade. Que é a finalidade da morte, alcançada pela loucura ruminada diária.
Mas falamos o que falamos para continuar vivendo e não morrendo, e nos assustamos tanto com a morte. Ela é ignorada, enterrada e pisada. Quando ela grita e aparece todo mundo se assusta, como se não soubessem que ela existia. Ignoram e continuam vivendo sem a ver.
Assim é como ignoram tudo que é mal e outros aceitam dizendo que é bom. E outros aceitam dizendo que é mal e é bom assim. O resto rumina que é assim mesmo. Assim como deveria ser. Utópico.
Tudo fica em seu lugar enquanto passam. Morte, não me ruminize.
Hoje foi uns dias bons
Hoje foram bons anos da minha vida
Fiquei vendo o vento passar
Hoje eu morri de novo
E tive certeza de que nunca vou viver
Sofri as causas inconsequentemente
Achei Deus
E ele estava embaixo do meu sapato
Achei Satã
E ele era Deus
E eles eram você
E eles eram eu
E eles têm várias formas, todas falsas
E tive pena de mim mesmo
Por me culpar tanto
E procurei aliviar a dor
Do meu auto-flagelamento
Matei a dúvida e inventei tudo isso
Comi a dúvida e fiquei doente
Vomitei contradições por dias, hoje
E me esqueci. E me lembrei. E me decidi
Por não saber o que não fazer
Olhei, gostei e desisti
Não entendi. Hoje eu ventei
Me dói aqui
Não saber onde aqui me dói
Sinto-me em versinhos
bolsinhos
Colocando-me corações
Como se fossem
coraçõezinhos
Ou eu ou rimar
Mar, lar, bar, par
Já é suficiente?
Minha biografia, além de ter apenas uma página, fará questão de deixar bem claro que eu nunca quis que fosse feita uma biografia minha e automaticamente descartará todas as outras. Mas não será minha autobiografia. Minha autobiografia será assim:
Nasceu aqui, há dois segundos atrás, e teve uma infância pobre, bruscamente interrompida pela exigência de ocupar seu espaço. Cresceu rápido e se afastou do local de nascimento, sempre descendo da esquerda pra direita, mas nunca deixou a página natal. Poucos segundos depois já se encontrava sem rumo e precisou enrolar. Tendo uma educação ausente e uma família no mínimo inexistente, lutou para alcançar as últimas linhas da página, mas morreu tragicamente de insuficiência inspiratória. Foi uma das autobiografias mais importantes do instante e dedica-se a ela um lugar de honra num documento manuscrito, sem título e sem autor, guardado em algum lugar.
Em memória de Autobiografia anônima
*11:19 †11:22 (da noite)
É preciso se sentir querido
Para ser querido
Se fingir querido
Se fingir amado
É preciso se fingir verdadeiro
Se esconder os erros
Concordar com os errados
É preciso se amar os queridos
Se matar os coitados
Se fingir amigo
Se emprestar um trocado
Quando se é amado
Quando se é fingido
Se alcança a felicidade
Plenitude e bondade
Ou só se sofre e se morre
É preciso viver
Não se sabe porquê
Só é preciso viver
Não importa como
Só para ver
Não importa o quê
Fingir mais um dia
Se apaixonar
Fingir mais uma vida
Mais cem bilhões de vidas
É preciso continuar
Com não se sabe o quê
É pagar pra morrer
Vidamatic
Facilitando sua vida
Vidamatic
Tão fácil que até você
E qualquer outro idiota pode usar
Sem preocupações
Sem problemas
Sem detalhes
Sem complicações
Sem momentos
Sem dúvidas
Sem demora
Sem aprendizado
Sem erro
Sem caos
Só programação
Vidamatic
Não é uma escolha
Viva assim ou morra
Compre de nós ou vá embora
Desapareça da face da Terra
Pois está invadindo meu território
Nós compramos esse planeta para vender
Vidas fáceis de usar
Tudo que eu quero de você
É tudo que você tem
Seria ainda melhor
Se eu não tivesse que ouvir sua voz
Eu só quero seu dinheiro
Seu sexo
Seu amor
Seu trabalho
Seus filhos
Seu dia
E pego aos poucos
Sem você notar
Eu só quero sua atenção
Suas respostas
Suas amigas
Suas fotos
Sua alegria
Sinto-me vivo
Com você sob controle
Eu só quero sua opinião
Sua servidão
Sua casa
Seu cachorro
Sua alma
Minha escola me ensinou bem
Que o que importa não é ter dinheiro
Mas como consegui-lo facilmente
Que o que importa não é fama
Mas o quão bem você finge ter
Que o que importa não é poder
Mas quantos poderosos você controla
Minha escola me ensinou a
Respeitar os defeitos alheios
E usá-los em meu proveito
Sempre ajudar quem precisa
Para cobrar favores em troca
Ganhar a confiança dizendo a verdade
E então jogar uns contra os outros
Minha escola ensina muito bem
A não julgar as pessoas
Pois são todas imprestáveis
A não ser um mau perdedor
Quando se pode sempre ganhar
A ser humilde e gentil
Para que ninguém desconfie
A não ter vícios
Mas a viciar para controlar
Minha escola forma os líderes mundiais
É a que mais aprova no vestibular
É a escola da vida, está dentro da minha cabeça
Dizendo que a vida não é justa
Autoanálise de texto
O texto não pode ser analisado por não ter conteúdo algum. Agora o texto se contradiz, criando um conteúdo para explicar sua anterior falta de conteúdo. O texto então parece girar em torno de explicar-se enquanto vai sendo escrito, o que sugere uma metalinguística, mas considerando-se o autor, podemos dizer que metalinguística é um dos seus temas favoritos.
O autor também parece ser muito breve em seu assunto, pois o texto tem apenas um parágrafo. E no segundo parágrafo encontramos outra contradição, uma vez que este existe para explicar que o texto é curto demais, fazendo com que este se estenda. Podemos perceber que é impossível que um texto analise a si mesmo, e qualquer aparência de uma “autoanálise textual”, termo que por si só é uma liberdade poética, não passa de um recurso poético. O texto agora tenta fazer uma finalização breve para caber na construção de dois parágrafos.
Porém o texto falha nessa tarefa e prossegue por mais um parágrafo, aparentemente inesperado. Há ainda muito que o texto poderia dizer sobre si mesmo e sobre a validade de sua própria análise, mas ele prefere não fazê-lo, pois poderia não ter fim. O texto então encerra sem con… (FIM)
Nunca confie nos bons
Não se sabe quando eles vão te trair
Sempre confie na traição
Não se deixe levar pelos bons
Os maus são os patrocinadores
Os patrocinadores decidem quem vive e quem morre
Não existe liberdade de escolha
Os bons estão sob controle
Os bons não saberiam lidar com mundo
Os bons têm piedade
Por isso os maus sempre vencem
Não tenha piedade de si
Diga que você vai
Morrer por mim
Eu te amo
Você deve isso pra mim
Diga que você vai
Viver pra mim
Assim como o seu pai
Você agora deve ir
Diga que você vai
Eu sei que você vai
Eu não preciso de merda nenhuma
Eu te ensinei a não lutar
Diga que você vai
Morrer por mim
Assim como todo mundo
Sua mãe e seus irmãos
Diga que você vai
Repita pra mim
Eu sei que você vai
Eu te ensinei a não discutir
Eu não preciso de merda nenhuma
De almas elevadas
Eu tenho você aqui
Trabalhando pra mim
Eu e as pessoas
Nós nos respeitamos
Quando nos cruzamos
Não nos transpassamos
Pois concordamos que duas coisas
Não ocupam o mesmo lugar no espaço
Para todos os outros casos
Não nos consideramos
Eu e as pessoas
Nós nos respeitamos
Quando a luz reflete em nós
E bate em nossas retinas
Nós nos enxergamos
Para todas as outras vezes
Nós não existimos
Eu e as pessoas
Nós temos respeito mútuo
Não nos ignoramos
Temos noção dos milhões de números
Que existem, trabalham, morrem
Nascem, matam, sofrem
Para todas as outras contas
Nós nem sequer pensamos
Pois estamos tão longe
Nem fazemos parte do mesmo mundo
Não vale a pena perder tempo com isso
Não nos importa um ao outro
Eu e as pessoas
Ouça-me
Sou aquele que nunca ouviu ninguém
E no fim
Você vai ser exatamente igual a mim
As paredes desabam
E você sabe que não há saída
Os remédios acabam
E você sabe que não há cura
As crianças se perdem
E você sabe que não há mais amor
As luzes se apagam
E você sabe que nunca enxergou tão bem
As palavras afiadas desceram por sua garganta
Estraçalhando seu orgulho
Você viu o poço em que seus sonhos foram jogados
E aceitou os sonhos que te permitiram ter
Pois, afinal
É preciso sonhar
Você sabe o quão cegas são as vozes na sua cabeça
Ouça-me
Sou aquele que nunca ouviu
E no fim
Você vai ser exatamente igual a mim
Espero-te
Ainda como ontem
Hoje e amanhã
Ainda que eu saiba
Que nunca encontrarei
Espero-te
Porque te amo
Mesmo que jaza
Fundo em algum lugar
Inexistente em mim
E ainda que eu te esqueça
Em tantos lábios
Onde derramas teu sorriso
Espero-te
Como se sempre a tivesse
Em cada pensamento
Mesmo sendo inútil
Amo-te
Como fazem os tolos
A quem Deus avisa já bem cedo:
Tu és semente sem terra
Trata de germinar a queda
E por isso me alegro
E me enlouqueço
Por ver minha nuvem negra
Fazer crescer perdões
Para unir belos casais
Assim espero-te
E amo-te
Minha quase vida
Não mais
Pristério
Desastre sempre vem acompanhado
De desmínios
Desastres alados
Morosos
Caibam na estrena
Não me julgularizem
Que não sou petzcarpo
Só não dízimo nada
Prantha-me esta discórvia
De aljugávias metosílvias
Cariontes na ilha
De divagos decalíbios
Ménster das novas vocáfilas
Não estou redismando nada
Baatezar é desfectariarizar
Nas suas próprias baltrelas
Corriam em cindacárpete
Não seriam warheipzadas
As tolhidas querembís
E que pristério!
Libidinosas minhas prosas
Alsaráfeis em lábios e línguas
E dentes que se batem demais
Descrição
Primeiro uma linha curva qual horizonte invertido cujo solo cospe uma fila de agulhas negras como sombras de grama, projetando-se para fora sob um Sol enorme, que ainda não nasceu completamente e nem possui luz própria, rajado para dentro com alguma cor, furado por um buraco negro, com um vazio reflexivo por trás dele. Então, mais acima nesse céu branco reluzente trovejado de pequenos raios vermelhos, estende-se um outro horizonte re-invertido, com novas e maiores sombras, onde o Sol não se pôs ainda. Os dois horizontes se encontram numa elipse, e a todo esse mundo chamamos simplesmente de “olho”.
Um amigo
24, 23, 22…
Eu conto o tempo para meu amigo
Eu carreguei sua morte comigo
Até ele acordar, no nada
Eu o abasteci e acendi o pavio
Meu amigo não sabe que horas são
Um dia a menos, quem se importa
Eu devolvi a ele meu presente
E ele se completou, meu amigo
Era um suicídio num copo cheio
De pigarro
Mas eu escorreguei
Não existe amizade deste lado da
Cidade sem deus, só religião
Religião política, religião esportiva
Religião acadêmica, religião artística
Religião de comer, beber e fumar
Eu não tenho amigo, mas lágrimas
Por derramar
Por minha conta, amigo
Por minha conta
Salmo 23 (da edição revisada e atualizada)
O consumismo é meu pastor, nada me faltará; ele me faz descansar no meu apartamento redecorado, e me leva canais tranquilizantes pelo cabo. O governo me dá taxas e me guia no (único) caminho certo, como a própria TV anunciou. Ainda que eu caminhe por um vale revelador como a própria verdade, nada verei.
Pois tu, o Dinheiro, estás comigo. Tu me engordas e me digeres. Preparas um banquete pra mim onde meus inimigos me possam comer. Sou teu convidado de honra e enches meu corpo (de coca-cola) até a borda.
Sei que tua produção e teu mercado ficarão comigo enquanto eu viver. E todos os dias de minha vida, irei ao shopping.
Amém.