Nova Ordem Mundial

Nova Ordem Mundial (NOM) é um nome comumente dado a uma teoria da conspiração que afirma que algum grupo poderoso está secretamente dominando o mundo ou prestes a fazê-lo.

Teorias da conspiração sempre existiram, mas a antropóloga Jane Parish sugere que elas estão ganhando força na atualidade devido à perda da confiança em especialistas numa era marcada pela ansiedade. Num artigo chamado “Age of Anxiety”, ela sugere que a popularização das teorias da conspiração tem a ver tanto com a necessidade de eliminar certezas quanto de se ater a certezas mais profundas. Não podemos mais compreender o mundo moderno dentro dos mesmos quadros de referência que foram criados no início da modernidade, e as teorias da conspiração representam “uma nova categorização da verdade e da certeza onde a construção de autoridade especializada e o discurso subversivo está sob o olhar de um consumidor cada vez mais sofisticado que questiona tudo”. Ao mesmo tempo, a teoria da conspiração provém uma solução fácil para ansiedades vindas da instabilidade política, social e econômica.

O “cosmopolitismo” do mundo moderno só foi possível pela valorização de um aspecto relativamente novo na história humana: a confiança em especialistas. O individualismo liberal produziu a sociedade do risco, no qual os laços sociais se tornam negociáveis, frágeis e temporários, minando a autoridade de especialistas e gerando desconfiança quanto à prática científica.

No livro “Nervous States: Democracy and the Decline of Reason”, o economista político William Davies argumenta que o conceito de especialista se originou no conflito entre católicos e protestantes sobre qual seria a interpretação correta da Bíblia. Ele diz que “Confiar na ciência é confiar na capacidade das pessoas de relatar e registrar coisas de forma adequada… Estamos dispostos a ‘acreditar na sua palavra’, em vez de nos referirmos constantemente à coisa em si.”

A maior parte das evidências fornecidas por quem defende a NOM vem do revisionismo histórico, que é negar ou alterar fatos históricos para que eles se encaixem numa determinada interpretação. Muitas vezes isso desemboca num tipo de racismo, como por exemplo afirmar que há uma conspiração internacional de judeus para dominar o mundo por meio do sistema bancário e do governo mundial.

O conceito de nova ordem mundial é usado desde 1917, porém o sentido conspiracionista do termo se popularizou em 1972 com o livro “None Dare Call It Conspiracy”, escrito por Gary Allen, um escritor conservador que promoveu a noção de que os sistemas políticos e econômicos modernos na maioria das nações desenvolvidas são o resultado de uma conspiração da elite, que ele chama de “infiltrados” (insiders). Infiltrados seriam como agentes secretos que usam elementos do manifesto comunista de Karl Marx para encaminhar sua agenda socialista/comunista na sociedade capitalista. Esta seria estabelecer um sistema de imposto para roubar o cidadão comum e destruir todas as soberanias nacionais. Eles fariam isso estabelecendo um banco central, administrado por uma elite financeira, que seria titular da dívida nacional.

O repórter investigativo Chip Berlet argumenta que o trabalho de Allen fornece um exemplo de uma síntese do populismo e conspiracismo de direita. Uma mistura de ideias conhecidas como “produtivismo”. O produtivismo é uma ideologia que sustenta que os membros da sociedade envolvidos na produção de riqueza tangível beneficiam mais a sociedade do que, por exemplo, os aristocratas que herdam sua riqueza e posição, filósofos, artistas ou professores de humanas.

Allen afirmava que “Nova Ordem Mundial” era um código que a “Conspiração Comunista Internacional” usaria quando estivesse pronta para desvendar seus planos secretos para um governo socialista mundial. O primeiro uso do termo por um político foi feito por George W. Bush em 1991. No discurso, Bush dizia que com o colapso da União Soviética, os Estados Unidos e a Rússia cooperariam em vez de competir. Todos os especialistas em relações internacionais concordam que, a partir daquele ponto, a antiga ordem da bipolaridade havia terminado e um novo sistema estava começando.

Para teóricos da conspiração, porém, a Nova Ordem Mundial é algo muito mais sombrio. A John Birch Society, um grupo anticomunista dos EUA, popularizou uma teoria da conspiração sobre o papel das Nações Unidas. Essa teoria afirmava que a ONU era apenas uma ferramenta dos comunistas e que o objetivo final era a completa subjugação dos Estados Unidos às Nações Unidas. Isso criaria um governo mundial onde todas as liberdades individuais seriam abolidas.

É muito comum entre teoristas da conspiração usar o termo “banqueiros internacionais” como código para “judeus”. Muitos teóricos da conspiração acreditam que os judeus são responsáveis pelos bancos ou pelo comunismo, ou ambos, então misturam crítica ao sistema financeiro com anticomunismo, nacionalismo, xenofobia, racismo e ódio a minorias.

Organizações internacionais como o Banco Mundial, o FMI, a União Europeia, as Nações Unidas e a OTAN são frequentemente listadas como organizações principais da NOM. Uma versão da teoria chega a afirmar que as famílias das pessoas que dirigem essas organizações fazem parte de uma mesma linhagem. A família Rothschild, por exemplo, é frequentemente acusada de estar entre os mentores da NOM. Os Illuminati, o Grupo Bilderberg, os maçons, a Igreja Católica, os judeus, os comunistas, os donos de bancos… Dependendo da imaginação e interesses particulares do teórico, diferentes grupos podem ser vistos como os culpados ou como peões de outro grupo.

A NOM é uma moldura na qual qualquer teoria da conspiração pode ser usada. Geralmente envolve uma crença na “verdadeira história”, revelada sem fontes ou métodos históricos válidos, algumas vezes ancorada num ou outro intelectual tido como “liberto” ou “desperto”. A NOM atual é fruto do crescimento rápido da internet. Pat Robertson deu um impulso à teoria com seu livro de 1992, “The New World Order”. Diversas variações da teoria proliferam desde então, como por exemplo alegações de que frotas misteriosas de helicópteros pretos farão uma ocupação militar surpresa nos EUA.

Existem teorias reais e válidas sobre as estruturas de poder mundial, como a teoria da dependência, a teoria do sistema mundo e do imperialismo cultural, que formam a base do movimento antiglobalização. A diferença mais marcante entre a teoria do poder global nas ciências sociais e a teoria da conspiração da NOM é o sensacionalismo e a rapidez com que se chega a conclusões extremas, como por exemplo que a comunidade científica está envolvida na produção de vacinas que prejudicam as pessoas. Tais organizações nem sempre são inocentes ou transparentes, mas para acreditar que existe um nível de organização entre grupos distintos suficiente para enganar todo o resto da população mundial seria preciso evidências extraordinárias.

Os vazamentos de notícias e controvérsias no mundo todo são evidência de que tais grupos são muito menos coesos e tem muito menos poder do que os teóricos da conspiração sugerem. Se presidentes não conseguem esconder um caso extraconjugal, como vão conseguir esconder um segredo de relevância global? Qualquer coisa que venha do governo e não que agrade determinada ideologia pode ser vista como conspiração, incluindo máscaras de proteção ou cintos de segurança.

As supostas evidências da NOM geralmente não são apresentadas por seus teóricos de modo direto. É comum que se apele a uma introdução dramática e uma linguagem sensacionalista e obscurantista. O uso de simbolismos que apelam ao medo mal elaborados das pessoas também é comum. Logotipos de empresas têm sido associados à NOM por detalhes tão pequenos quanto um triângulo, um olho ou um compasso. Às vezes é usada a recorrência de um número ou nome. Qualquer coisa que alimente a paranoia das pessoas. Mas por que uma organização empenhada em governar o mundo sem que ninguém saiba deixaria pistas tão óbvias e fáceis de detectar? Como no caso das pseudociências, teoristas da conspiração trabalham com argumentos falaciosos e fazem afirmações extraordinárias sem a fundamentação necessária.

A ideia de que organizações supranacionais, que são notoriamente ruins em guardar segredos, seriam capazes de esconder uma conspiração de magnitude global, se dá em grande parte pela mistificação dos processos políticos, burocráticos e econômicos envolvidos em grandes organizações. Uma boa resposta seria mostrar como as pessoas envolvidas nessas organizações realmente trabalham. A realidade do funcionamento da ONU, por exemplo, passa muito longe do imaginado por teóricos da conspiração. Não quer dizer que não haja condutas ilícitas nessas organizações, mas que elas não são boas para criar um poder mundial como se imagina.

Os teóricos da conspiração afirmam que certos segredos são liberados de propósito para despistar e dar a impressão de que eles não podem mantê-los, como uma cobertura para os verdadeiros segredos. Essa manobra retórica não é feita com base em evidências nem em simples desconfiança dessas organizações, mas em convicção de elas estão escondendo exatamente o que se diz que elas estão. Como se os teóricos fossem uma exceção da regra, que por algum motivo estão imunes a serem enganados. A falta de evidências concretas da NOM é geralmente atribuída à habilidade dos líderes de encobrir essas atividades, o que torna a afirmação sujeita ao enviesamento de confirmação. Tudo, até a contra-evidência, é evidência do que se quer que seja verdade.

A construção da teoria conspiratória é uma manobra de autoafirmação de um pressuposto tomado dogmaticamente como verdadeiro. Nada pode abalar essa crença, ela se torna fundamental inclusive para a identidade das pessoas, que encontram ali algum conforto. Quando todas as evidências contrárias são tratadas como desinformação, isso significa que é impossível falsificar a teoria, o que significa que não é científica. Mas a NOM não apenas não é científica, como também nega a ciência. O professor de sociologia William Domhoff, especializado em teorias de poder, diz que para que a NOM fosse verdadeira, as teorias de poder desenvolvidas pelas ciências sociais precisariam ser incorretas.

O autor de “A Culture of Conspiracy: Apocalyptic Visions in Contemporary America”, Michael Barkun, professor de ciência política especializado em extremismo, argumenta que o conspiracionismo apela a três aspectos:

“Primeiro, as teorias da conspiração afirmam explicar o que os outros não conseguem. Elas parecem fazer sentido em um mundo que, de outra forma, é confuso. Em segundo lugar, eles fazem isso de uma maneira simples e atraente, dividindo o mundo nitidamente entre as forças da luz e as forças das trevas. Eles rastreiam todo o mal até uma única fonte, os conspiradores e seus agentes. Finalmente, as teorias da conspiração são frequentemente apresentadas como conhecimento secreto especial, desconhecido ou não apreciado por outros. Para os conspiradores, as massas são um rebanho de lavagem cerebral, enquanto os teoristas bem informados podem se parabenizar por penetrar nos enganos dos conspiradores”.

Michael Barkun, numa entrevista concedida a Chip Berlet, disponível aqui: http://www.researchforprogress.us/topic/34030/antisemitism/antisemitism-barkun/

Um artigo de 2008, “One World Government: Conspiracy Theory or Inevitable Future?”, publicado na revista Diplomatic Courier, afirma que a tendência política global é contrária a de um governo global, pois a governança supranacional é notável por sua ineficiência. De acordo com Barkun, o principal efeito do milenarismo gerado pelas teorias da conspiração da NOM é incentivar ataques terroristas ligados ao nacionalismo branco: “o perigo reside menos em tais crenças… do que no comportamento que elas podem estimular ou justificar”.

Reproduzir discurso conspiracionista pode ser extremamente prejudicial à sociedade e à saúde mental de indivíduos suscetíveis a ataques de ansiedade e paranoia, além de fortalecer discursos racistas associados ao extremismo.

Referências:

BARKUN, Michael. A culture of conspiracy: Apocalyptic visions in contemporary America. Univ of California Press, 2013.

BERLET, Chip. Antisemitic Conspiracism in the US. Research for progress, 2004. Disponível em: <http://www.researchforprogress.us/topic/34028/antisemitism/antisemitic-conspiracism-in-the-us/>. Acesso: 30 de ago. de 2020.

DAVIES, William. Nervous states: Democracy and the decline of reason. WW Norton & Company, 2019.

DOMHOFF, William. There Are No Conspiracies. Who rules America, 2005. Disponível em: <https://whorulesamerica.ucsc.edu/theory/conspiracy.html>. Acesso: 30 de ago. de 2020.

PARISH, Jane. The age of anxiety : conspiracy theory and the human sciences. The Sociological Review, v. 48, n. 2_suppl, p. 1–16, 2000.

SALLE, Adam de. Truth and Trust: the Rise and Fall of the Expert. Voice, 2020. Disponível em: <https://www.voicemag.uk/blog/7745/truth-and-trust-the-rise-and-fall-of-the-expert>. Acesso: 30 de ago. de 2020.


Publicado em https://acasadevidro.com/nova-ordem-mundial-por-janos-biro-marques-leite/

Autor: Janos Biro

Escritor e tradutor focado em filosofia, anarquia e crítica à civilização.

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