
Este é meu último livro de poesia. É uma aterrisagem poética, uma despedida da poesia.
Siga seus sonhos
Seja diferente
Quebre as regras
Siga seu coração
Quebre os padrões
Não seja desse mundo
Seja você mesmo
Fique à margem
Gaste pouco
Ganhe menos
Seja livre
A dor ensina
Não se conforme
Não se submeta
Não siga a programação
Não seja aceito
Seja excluído
Seja rejeitado
Seja perseguido
Seja criminalizado
Fique vulnerável
Encoste na parede
Seja violentado
Seja torturado
Fique preso
Perca tudo
Não se levante
Morra de fome
Desapareça
Vagabundo
Nada mais importa
Tudo me exporta
Pra um lugar distante
Pedaço por pedaço
Estômago vazio
Coração fervendo de contradição
Cabeça vazando por todos os poros
Depois de muito pensar
Concluí
Pensar não vale a pena
E sumi
O patriotismo é uma dancinha
Contra a corrupção
É o amor pela família
Em forma de ódio a quem foge do padrão
É a guerra armada pela manipulação
Em defesa do lucro do patrão
Do progresso feito pela escravidão
Das estradas que mataram os índios
Das barragens que matam os rios
De um mundo onde dinheiro é pão
E política é circo
Ser patriota é amar sua servidão
Existe um lugar onde a verdade do nosso ser é revelada e onde mentira que contamos é criada. É onde você se despe, fica vulnerável, encara a si mesmo, reflete, medita e se livra daquelas partes de você que não convém mais carregar. É onde se cuida do corpo e onde a mente flutua, às vezes canta, às vezes dança, às vezes remete à infância. Onde há vergonha e também sensualidade. É o lugar da água, do calor e do frio, da purificação, relaxamento, onde se faz sexo e onde se chora, se ri e se comete suicídio. Um lugar seguro onde se esconde, onde se tranca a porta e onde a possibilidade de intrusão pode gerar ansiedade. É um lugar íntimo, e também pode ser nojento. É o lar das baratas, das bactérias e dos espelhos. Tão lotado de apetrechos e ferramentas quanto uma oficina, um lugar de múltiplas atividades, cujo produto é a nossa própria imagem. Um lugar funcional e emocional, colorido, pequeno, confortável para quem conhece, estranho à primeira vista.
A filosofia do banheiro é profunda como o encanamento.
Perdi o lastro dos meus sentimentos
Estão totalmente desregulados
Transbordam, fazem uma sujeira no chão
Que eu acabei de limpar
Já são terríveis por natureza
Será que você podia fazer o favor
De não atiçá-los ainda mais?
Os dias que crescem dentro de mim são como árvores que formam uma floresta da memória. Algumas vezes me perco na sua beleza e perigo. Algumas vezes me deito nela, admirando como os raios de sol atravessam as folhas, os detalhes relembrados de um desses dias. As memórias compartilhadas com as pessoas que amo. Noto a conexão entre uma árvore e outra, uma floresta e outra, e como tudo parece uma coisa só, perfeita em cada detalhe e ao mesmo tempo caótica e impossível de compreender completamente. Algumas vezes a floresta me dá medo e eu saio correndo. Algumas vezes sou ferido por um espinho, e dói. Algumas vezes a floresta queima, as chamas me sufocam. Quando acaba eu me sento numa pedra vendo as cinzas do que era um jardim, e tudo parece opressivo e sem sentido, e eu choro. A floresta me alimenta e me devora enquanto cresce. E um dia morrerá. Tudo que posso esperar é que as sementes que ela gerou façam crescer coisas bonitas nas florestas de outras mentes, como elas fizeram na minha.
A minha tela brilha
Eu não tenho mais luz
Alimento as redes
E estou faminto de vida
Como um rato numa Caixa de Skinner
Desesperadamente acionando a alavanca
Esperando uma satisfação que nunca virá
Eu não tenho luz
O brilho da tela me conforta
Um vício me expulsou do silêncio
Abandono toda esperança de um sono tranquilo
Abraço a ansiedade
Enquanto ela explode
O mundo inteiro grita
Conectado, sou uma ilha
Alienado, minha voz ressoa
E se perde no abismo
Ela me bate depois me beija
Ela me explora depois me dá carona
Ela mente depois diz coisas bonitas
Ela me conquista depois me esquece
Ela me humilha depois me dá flores
Ela faz isso o tempo todo
Eu estou num relacionamento abusivo com a vida
Por que eu acredito que tenho tanto pra ler e escrever?
As ideias e os papéis tem o mesmo destino
A ordem que se cria
A natureza retoma
Os sentimentos e as memórias que eu quero guardar
Escorrem no vento
Tentamos ser alguma coisa
Mas a vida sempre vence
Eu poderia deixar tudo voar
E ser consumido
Mas eu preciso disso pra existir
E para desaparecer
Embaixo das palavras
Eu grito um último grito
Antes de sufocar
Dois anos, quatro anos, oito anos
Que diferença faz?
O tempo já comeu todos os seus filhos
Restou apenas comer a si mesmo
E desaparecer
Com a ilusão que sempre foi
A nós restou nos desfazer em riso e lágrimas
Correr como giz
Tornar-se risco no chão
E tornar-se chão para outros riscos
É você se ver quase agredido por um oi inesperado que te obriga a sair do casulo confortável onde você se instalou. É que a lagarta antes de virar borboleta vira geleia, e se você força o casulo ela simplesmente escorre como se fosse catarro. Eu passo o dia inteiro no casulo pra ter um momento de borboleta. É você se odiar por não conseguir fazer o que todo mundo faz.
É uma bela amizade. Não importa quanto tempo a gente fique afastadas, sempre que se reencontra, se abraça como fosse o dia seguinte. O nome dela é Depressão.
– Mas esse diálogo é imaginário.
– Como assim imaginário?
– Não tá acontecendo de verdade, é ficção.
– Com assim, tá louco?
– Você é um personagem, você nem existe, é só palavras que fazem quem lê imaginar uma pessoa falando. Você é essa pessoa que alguém tá imaginando enquanto lê, e eu também…
– Que loucura.
– É sério.
– Viaja não mano.
– É sério mesmo, de verdade.
– Então eu não existo?
– Não, mas você tá sendo imaginado agora.
– Não tenho vida própria?
– Não, você não é nada na real.
– Não pode ser mano, o que você tomou?
– Te juro, a gente nem tá conversando. Nada disso é real.
– Mas parece tão real.
– Eu sei. Pra gente que tá aqui dentro do texto pode parecer real. Mas quem tá lendo também acha que tá vivendo a vida real.
– E nem quem tá é de verdade?
– Não dá pra saber.
– Como não dá pra saber?
– Uai, você não tá plenamente convencido de que existe?
– Estou ué, tô me vendo, eu tô aqui ó. Eu existo.
– Então, só que isso é de mentira. Olha, é só um texto.
– CARALHO MANO A GENTE É SÓ UM TEXTO!
– Sim, te falei.
– Como você fez isso?
– Eu não fiz nada, foi o autor. Nem ele mesmo sabe se é de verdade. Não tem como saber. A gente vive de ilusão.
– Mas ele pode fazer a gente saber que é falso?
– Pode. Ele pode tudo aqui, porque é o autor.
– E por que você tá tão calmo?
– Não sei, ele me fez assim. Ainda bem que me deu o poder de TE mostrar a verdade, senão imagina, eu ia ficar só pagando de louco aqui, e você zoando comigo.
– Que foda.
– Eu tive foi sorte, a maioria das personagens não sabe que é personagem. Acha que é de verdade.
– Caralho, e agora?
– Agora acaba.
As coisas que me atingiam
Já não me atingem mais
As coisas não me atingem
Eu me tornei inatingível
Ou me tornei as coisas que me atingiram
Eu me tornei as coisas que não me atingem mais
Eu já não me atinjo
Eu já não posso ser
Eu não posso deixar de ser
Eu não posso escrever isso
Eu estou impossível hoje
Pedras e ganchos
Mais um típico
Cara sem arquétipo
Numa cidade de excêntricos comuns
Pronto para mudar o mundo
Mais pronto ainda para esquecer de tudo
Por você
Minha doce, doce
Infecção
Eu não quero morrer assim
Eu não quero viver assim
Mas quero ficar aqui mesmo assim
Você não sabe o que eu passei
Pra te dizer que eu não sei o que te dizer
Quando estou aqui
Aqui não é lugar pra mim
Mas me deixa dormir só um pouco
Eu não quero morrer aqui
Mas quero ficar aqui por agora
O que eu tenho pra dizer
Eu não quero dizer agora
Agora não é pra mim
Eu não quero ficar agora
Depois você me diz se quer ficar aqui
Mas deixa eu dormir só um pouco
Deixa eu querer morrer assim
Mesmo só vivendo assim aqui
Mesmo só estando assim agora
Pai nosso sincero
Pai nosso que não está aqui
Desperdiçado seja vosso nome
Cobre de nós o vosso reino
Seja feita só a sua vontade
Assim na guerra como no mal
O pão nosso de cada dia roubamos hoje
Perdoai os defeitos que você nos deu
Assim como aniquilamos aquilo que você fez por engano
Não nos deixei cair em natureza
Mas livrai-nos de nós
Amém.
A queda
Será que todos os espíritos falharam em ver
O que está na minha frente
Ou eu estou perdendo contato com a realidade?
Ainda assim sinto um escudo ao redor de mim
Protegendo-me de minhas visões
E não sinto mais liberdade
Desde que este escudo está visível
O mundo está se tornando translúcido
E eu estou começando a ver outro mundo atrás dele
A verdade pode se esconder quando a tratamos com
banalidade
Como a areia desaparecendo de uma ampulheta quebrada
O tempo não está chegando
O tempo está indo
Em todo lugar
Areia está sendo jogada em nossos olhos para nos fazer dormir
E para nos fazer sonhar que estamos acordando
Desgaste
Olhando para os paradoxos
Sem conclusão possível
Como um espelho olhando para o outro
Cada vez que penso sobre mim
Deixo de ser eu
E todos os eus quebrados
Se olham parados
Sem enxergar nada reconhecível neles
Um desses
Eventualmente
Consegue o ímpeto suficiente
Para não desperdiçar sua existência pensando nisso
Muitos de mim tiveram que morrer
Para que escrevesse isto
E se eu penso nisto
Eu já era
Sou eu que devoro eu mesmo dentro de mim
Eu não quero morrer dentro do seu cérebro
É aí que eu não posso morrer
Porque é só aí que realmente vivo
Não é suicídio me matar aqui
É só uma tentativa de viver mais tempo
Perto dos seus pensamentos
Epitáfio
Morreu a poesia
Que aqui um dia esteve escrita
Se era feia ou bonita
Não se sabe
E já é tarde para saber
Pois dela só restam palavras
E o que quer que se entenda delas
Da poesia mesmo
Nada
AM
Sou hoje o produto de um dia acabado
Minha amnésia colabora para que a cada dia
Eu encontre o único amor da minha vida
E embora a memória vá embora
A saudade fica gravada para sempre
Amanhã eu reencarnarei num outro corpo
Mas minha mente ainda amará você
E talvez meus sonhos sejam lembranças perdidas
De outras vidas que eu vivi outros dias
Diversos universos que se resumem numa palavra
Que eu jamais aprendi
Mesmo
Somos todos o mesmo
Vou e volto no mesmo passo
Erro e acerto o mesmo golpe
Beijo e espero os mesmos lábios
O prazer exige o sacrifício
De tudo que não é aprazível
Para os mesmos
Tanto faz o que se ganha
Ou se perde
São todos os mesmos
As verdades duras se quebram
As flexíveis permanecem
Somos todos o mesmo
Que se cala e que fala
Que confunde
Que entende
Que se exala
Até não sobrar mais nada