Um ensaio sobre a confiança socialmente depositada no avanço tecnológico como solução para nossos problemas sociais.
Existe uma ideia hoje em dia, que talvez tenha origem em Nietzsche, que a ciência e a tecnologia se tornaram as novas formas religiosas da sociedade contemporânea. Nós agora esperamos que a salvação para os nossos pecados civilizacionais venha por meio de uma redenção tecnológica, realizada em laboratórios por cientistas qualificados. Até mesmo Sherry Turkle, entusiasta da Internet, pergunta “Por que esperamos mais da tecnologia e menos das pessoas?”. Num sentido semelhante, a pergunta que guia esta reflexão é, especificamente, por que confiamos tudo que temos nas mãos das pessoas que produzem tecnologia? Para entender isso, precisamos entender qual o papel da tecnologia na nossa sociedade.
A mediação tecnológica marcou o mundo do trabalho na modernidade e se tornou onipresente na vida cotidiana, alterando os meios de comunicação e as relações sociais. A ciência moderna pretendeu apresentar um conjunto de métodos para explicar o funcionamento do mundo. A tecnologia moderna cumpriu o papel de auxiliar da ciência nessa tarefa, mas não se limitou a isso. Diferente do ideal positivista da ciência, no qual o mundo poderia ser explicado de modo definitivo, os aparatos tecnológicos da era moderna eram considerados intrinsecamente incompletos, objetos que sempre poderiam ser melhorados. Esta característica produziu a crença de que o desenvolvimento tecnológico não tem limites. Crença essa que influenciou, por assim dizer, o atual método científico (RUDIGER, 2007).
A ciência e a técnica são os meios pelos quais o homem exerce domínio sobre a natureza. Martins (1996) refere-se a duas categorias segundo as quais podemos compreender o sentido desse domínio: a teoria prometéica, segundo a qual o domínio técnico da natureza seria o caminho para a emancipação humana; e a teoria fáustica, que é cética em relação à primeira, por vezes considerando o domínio técnico como um caminho que privilegia o domínio de uma elite sobre os demais indivíduos. A grande questão é então determinar qual a capacidade desta cultura, que se estabelece a partir do sistema tecnológico global, de colaborar com o projeto de emancipação humana.
Heidegger (2007) argumentou que o avanço técnico serve inerentemente ao interesse da dominação, e não ao da emancipação humana. Já Pierre Lévy acredita no potencial emancipador na técnica moderna: “As máquinas a vapor escravizaram os operários das indústrias têxteis do século XIX, enquanto os computadores pessoais aumentaram a capacidade de agir e de comunicar dos indivíduos durante os anos 80 de nosso século” (LÉVY, 1999, p. 19).
A tecnocultura
Quando pensamos em tecnologia, geralmente pensamos apenas no conjunto de ferramentas e meios técnicos relativamente neutros que criamos para resolver problemas. Mas os artefatos tecnológicos também são artefatos culturais, e não podem existir separadamente da cultura que é criada junto com esses meios. Para facilitar a compreensão, vamos chamar essa cultura de tecnocultura.
A tecnocultura moderna depositou uma grande confiança na racionalidade do desenvolvimento tecnológico e na crença de que as soluções para os problemas sociais seriam possibilitadas pelo avanço da tecnociência. Para Simmel, a sociedade moderna fez nascer uma cultura tecnológica em que os meios predominam sobre os fins. A qualidade da experiência humana não aumenta somente porque novas tecnologias são disponibilizadas. “O êxtase das pessoas para com os triunfos do telégrafo e do telefone geralmente leva-as a desconsiderar o fato de que o que realmente importa é o valor do que se tem a dizer (…)” (SIMMEL, 1990, p. 482). O valor do que se tem a dizer não necessariamente se eleva com novos meios de comunicação.
Quando Castells diz que “o poder dos fluxos é mais importante que os fluxos de poder” (CASTELLS, 2005, p. 565), ele parece estar sugerindo que a lógica das redes teria maior grau de determinação social do que os interesses sociais em si. No fim do século XX surge a acumulação flexível, em que “a estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar a todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a mercadificação das formas culturais” (HARVEY, 1983, p. 148).
É neste contexto que surge, por exemplo, o discurso da autonomia, um discurso de justificação da precariedade do trabalho, relacionado à rejeição da autoridade e à necessidade de reconhecimento pessoal, produzida por uma ética do trabalho voltada à competência individual. “Como a gestão de si mesmo e o sucesso pessoal são condições de permanência e ascensão, não há segurança de êxito senão sob a forma de fortalecimento do ‘eu’ e da crença moral do reconhecimento do valor do seu trabalho” (ROSENFIELD, 2009, p.4).
Ao analisar a tecnocultura como um conjunto de práticas e representações sociais, podemos compreender quais destas práticas e representações se associam ao discurso da autonomia, e por sua vez à cultura capitalista e ao sujeito pós-moderno. Este novo sujeito diferencia-se do sujeito do Iluminismo, cuja identidade é o centro essencial do eu. Diferencia-se também do sujeito sociológico, cuja identidade é formada na interação entre o eu e o outro. O sujeito pós-moderno não possui uma identidade fixa, esta flutua continuamente de acordo com as diferentes representações que o indivíduo assume, em conformação com diferentes sistemas culturais nos quais ele atua (HALL, 2004). A emergência de uma tecnocultura aponta também para a emergência de novo sujeito, o sujeito tecnológico.
Para Manuel Castells (2005), a transição da sociedade industrial para a informacional se dá quando os meios de distribuição da informação ganham precedência sobre os meios de produção industrial. O industrialismo se voltou para o acúmulo material, enquanto o informacionalismo se volta para o acúmulo de conhecimento. A tecnocultura exige uma subjetividade capaz de seguir o ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico.
Em Bauman (1997), vemos que a incerteza na qual a pós-modernidade encerrou o homem também se relaciona com o avanço da tecnociência, pois é por meio dela que a civilização adquire novos poderes. Poderes que nem sempre vêm acompanhados de novas responsabilidades, uma vez que o próprio imperativo do avanço dificulta que as considerações éticas adequadas sejam feitas.
A cibercultura
Uma parte da tecnocultura, mais especificamente ligada à cibernética e à informática, pode ser chamada de cibercultura. Os computadores são mais do que meros instrumentos de trabalho. Uma cultura se desenvolveu com a expansão da rede mundial de computadores. Definida como “conjunto de práticas e representações que surge e se desenvolve com a crescente mediação da vida cotidiana pelas tecnologias da informação (…)” (RÜDIGER, 2007, p. 183), a cibercultura é inseparável da mediação tecnológica sobre as interações sociais e, consequentemente, da mediação sobre o processo de formação e transformação do sujeito e do poder.
O conceito de tecnocracia precisa ser revisto à luz da cibercultura. As mudanças na formação do sujeito e as relações de poder na sociedade atual estão diretamente relacionadas à questão da técnica, da tecnologia e, mais especificamente, da cibercultura. As redes virtuais representam um modelo altamente instável, onde os elementos podem ser conectados e desconectados com igual facilidade. A liberdade de se conectar ao canal de sua preferência também representa a possibilidade de ser excluído mesmo estando presente. A liberdade de movimento acaba trazendo a necessidade de se mover cada vez mais rápido para não ser excluído.
Lévy considera a “retroação positiva” como uma das características principais da cibercultura. “Toda a história da cibercultura testemunha largamente sobre esse processo de retroação positiva, ou seja, sobre a automanutenção da revolução das redes digitais” (LÉVY, 1999, p. 24). O conceito de “universalidade sem totalidade” indica a liberdade em relação aos padrões restritivos da ordem coletiva. Indica uma nova forma cultural que aceita a interconexão livre entre todos, sem estabelecer uma diretriz central. A retroalimentação positiva está relacionada à “inteligência coletiva”, produzida pela cibercultura, que é tanto fonte de problemas quanto de soluções para estes mesmos problemas, gerando um movimento constante de mudança. “[…] o digital comunica e coloca em um ciclo de retroalimentação processos físicos; econômicos ou industriais anteriormente estanques” (LÉVY, 1999, p. 20). É perceptível a relação entre essas características e um novo tipo de poder sobre os indivíduos, que já não emana de uma figura central, mas está distribuído em rede.
Quando as mudanças culturais derivam direta ou indiretamente das inovações tecnológicas, estamos nos adaptando passivamente às exigências de aperfeiçoamento do aparato técnico, do qual depende o aumento da produção e o crescimento econômico. Isto não é consequência de um planejamento racional, é um desenvolvimento que podemos chamar de compulsivo.
As novas tecnologias da informação e da comunicação possibilitam novos meios de vigilância, propaganda e controle social. O que Lévy comemora é exatamente o que preocupa Habermas: que os homens estariam integrados por um sistema mecânico autorregulado. À alienação natural, resultado da incapacidade humana de apreender a totalidade da realidade exterior por meio da linguagem simbólica, soma-se uma alienação artificial, resultado da nossa incapacidade de acompanhar simbolicamente o avanço do progresso científico e tecnológico (HABERMAS, 1980).
Habermas afirma que o individualismo elegeu o critério da ação racional dirigida a fins, e que isto determinou uma nova autocompreensão do indivíduo, na qual ele se vê como aquele que precisa se adaptar às exigências do progresso científico, o que também significa adaptar-se ao sistema econômico autorregulado, já que o critério de eficiência segue o ciclo funcional da ação racional. O indivíduo precisa se integrar aos dispositivos técnicos, mas isso não está disponível do mesmo modo para todos. A cibercultura é o resultado dessa transformação radical na sociedade industrial, levando à sociedade informacional e a um novo tipo de tecnocracia. A crítica à cibercultura deriva também da crítica à ciência institucionalizada de Nietzsche e Heidegger.
Quem controla a tecnologia?
É comum que o indivíduo de sociedades tecnocráticas sinta-se orgulhoso dos avanços tecnológicos realizados pela “humanidade”. É um sentimento não muito diferente do sentimento nacionalista, no qual sente-se orgulho pelos feitos da “nação” e considera-se esses feitos como uma conquista da humanidade. A realidade passa muito longe disso. Este mito tem a função de gerar coesão social e ordem política. A ideia de que os avanços tecnológicos da nossa sociedade são avanços da “humanidade” é alimentada pela crença de que a tecnologia avança mais ou menos como um processo evolutivo, isto é, como uma adaptação natural a novas condições, o que não é verdade, é apenas parte do mito tecnológico.
Assim como ocorre no sistema político e econômico, os problemas do sistema tecnológico não podem ser reduzidos a questões de adaptação técnica. A ação humana não se limita a cooperar ou não com o suposto “avanço inevitável”, embora nossa civilização não saiba operar sem a mediação tecnológica. O progresso tecnológico não guarda nenhuma semelhança com o processo biológico de modificação da espécie, e nem uma coisa substitui a outra, como diz a crença popular. O progresso tecnocientífico não é o resultado direto do acúmulo de conhecimento humano sobre o mundo e sobre si mesmo, nem é o recurso de sobrevivência dado pela natureza em compensação por sua fragilidade e vulnerabilidade física a predadores, nem é a capacidade que deriva diretamente da razão e racionalidade humanas. Todas essas definições partem de mitos culturais sobre o ser humano, não são realmente científicas e não possuem nenhuma evidência histórica. Todos os estágios do progresso tecnocientífico atestam o rígido controle das classes dominantes, não somente no “uso” (de algo que, supostamente, seria “essencialmente neutro”), mas na própria determinação e transformação dos paradigmas tecnocientíficos.
Por exemplo, por mais que se enalteça as figuras “geniais” como Newton ou Leonardo da Vinci, seus trabalhos não significariam nada numa sociedade não-colonialista. Por mais que da Vinci, enquanto indivíduo, prezasse (hipoteticamente) a vida de povos nativos, ou Newton não quisesse ver hereges e ateus ardendo numa fogueira, eles não trabalham numa lógica diferente da sociedade que coloniza, destrói as culturas nativas e outras epistemologias. Este argumento é melhor trabalhado pelas autores da crítica decolonial, e precisa ser aprofundado em outro momento.
A desindustrialização também pode ser uma tendência do próprio capitalismo financeiro, uma vez que este está mais ligado à sociedade informacional que à sociedade industrial. Quando descobrimos que a vida em rede pode produzir ansiedade, angústia e compulsão, a desconexão temporária das redes informacionais parece ser terapêutica. Por meio das redes nos mantemos ocupados numa espécie de guerra comunicacional que gera estresse, por exemplo. O sistema de controle atual permite que o critiquemos e que nos manifestemos, desde que sem maiores prejuízos materiais. Mas um sistema impessoal não é afetado por argumentos e pedidos de bom senso. Tudo continua dentro da ordem tecnocrática.
Há uma velha ideia anarquista que diz: ninguém jamais conseguiu sua liberdade apelando para o senso moral daqueles que o oprimiam. Quando colocamos nossa confiança em soluções tecnológicas, indiretamente também colocamos nossa confiança no senso moral do “sistema” que rege os fluxos da tecnologia, seja ele fundado nos valores de uma classe dominante ou de uma cultura colonialista mais ampla, e por isso difícil de criticar.
Acreditar em soluções tecnológicas é no fundo acreditar em soluções conciliatórias, ou seja, é ignorar certos conflitos. É acreditar que as pessoas farão o que é “certo” e que basta assumir novas responsabilidades que acompanhem nossos novos poderes. Como se as novas possibilidades de uma nova tecnologia sempre compensassem os novos problemas, novas fontes de poder e novas potencialidades de dominação. Com se fosse realmente possível distribuir esse poder a todos ao mesmo tempo em que se garante que o uso tenda mais ao “bem” que ao “mal”. Mas o que se quer dizer com isso? E por que acreditamos tanto nisso?
Talvez possamos perceber que nossos novos poderes sempre vêm acompanhados de novos vilões. Trata-se de uma corrida impossível de vencer contra uma avalanche que criamos ao correr, e que piora quando aceleramos. A civilização se alimenta desse conflito, mas qual a possibilidade real de se libertar usando os instrumentos da sua escravidão? O uso subversivo dos meios tecnológicos para uma descolonização da tecnologia (FANON, 2008) precisa reconhecer a tecnologia como não-neutra, como ação social e histórica, como defendeu Andrew Feenberg (2010). De outro modo, a participação de pessoas marginalizadas na produção tecnológica só se dará na medida em que submetem sua própria cultura à tecnocultura, uma cultura que carrega em sua natureza os imperativos, os valores e as crenças da cultura que a criou. A descolonização da tecnologia não se resume a criar o mesmo tipo de dispositivo técnico por conta própria, isto é, sem dependência econômica de uma nação ou classe dominante. Para ser realmente descolonizada, a tecnocultura precisa ser reavaliada em seus fundamentos mais básicos.
Podemos assumir responsabilidade pela base da estrutura tecnológica da sociedade colonizadora, mudando apenas os fluxos de poder, mas não o poder e a intensidade dos fluxos? Podemos garantir às gerações futuras que ninguém irá usar os poderes concedidos por essa estrutura massiva e complexa para fins de dominação? Em quem se confia quando se confia nisso?
Em quem confiar?
Se a tecnologia não é confiável, seja pela cultura inerente a ela, ou pela dominação inerente ao seu desenvolvimento, então em que esfera social é possível depositar confiança, ou pelo menos recorrer, na tentativa de evitar o “mal uso” da tecnologia? Lembrando que esse “mal uso” não pode se limitar ao que indivíduos escolhem fazer com seus dispositivos, mas inclui também o “mal uso” de conhecimentos para produção de novos dispositivos. A produção não se distingue totalmente do “uso”, e este termo é extremamente vago, por isso está entre aspas. Em outros tempos, a esfera religiosa controlou a ciência e a tecnologia, o que não garantiu mais liberdade, e não está disponível hoje, principalmente se considerarmos que a ciência substituiu a religião nesse aspecto.
Feenberg analisou as teorias que afirmam que “na medida que as sociedades modernas dependem da tecnologia, elas requerem uma hierarquia autoritária” (FEENBERG, 2010, p. 98). A partir da teoria da racionalização de Weber, ele argumenta sobre os limites da democracia tecnológica e do determinismo tecnológico, além de criticar a principal resposta ao determinismo, que é o essencialismo tecnológico (representado principalmente pelo essencialismo heideggeriano). Sua questão central é: quais são as condições para uma participação real das pessoas nas decisões de natureza tecnológica? Para responder, ele usa o conceito de “código técnico”.
O código técnico de um objeto media o processo da relação entre o aspecto cultural e o desenho técnico. Por exemplo, na fabricação de caldeiras existem padrões técnicos que visam diminuir a probabilidade de acidentes, que não foram consequência das leis de mercado ou simples questões de eficiência da produção, mas de uma consideração social e uma luta política pela segurança dos trabalhadores. Os parâmetros técnicos devem ser selecionados socialmente, e não somente por uma necessidade técnica ou econômica.
“A tecnologia não é, assim, um mero meio para se chegar a um fim: padrões de desenho técnicos definem partes principais do ambiente social, tais como espaços urbanos e construções, ambientes de trabalho, atividades e expectativas médicas, padrões de vida e assim por diante. O significado econômico da mudança técnica geralmente diminui a importância mais ampla das suas implicações humanas, ao estruturar um modo de vida.” (FEENBERG, 2010, p. 122).
A proposta de Feenberg é uma “racionalização subversiva” da tecnologia, que contraponha a lógica linear do determinismo tecnológico, reconhecendo que a tecnologia não implica em progresso e nunca é neutra, sempre deriva dos processos sociais que formam seu contexto. Uma tecnologia realmente nova precisa ser capaz de questionar os valores mais profundos da sociedade. Reproduzir as formas tecnológicas da sociedade capitalista ou colonialista implica na preservação de certas crenças, valores e mitos fundantes. Nosso conceito de tecnologia foi fundado nesse sistema de crenças dito “civilizado”, e não encontra suporte fora dele. As verdadeiramente NOVAS tecnologias devem ser criadas a partir dos valores e necessidades das pessoas que estão lutando contra a hegemonia tecnológica vigente, e não simplesmente tentando redesenhá-la de modo mais eficiente porém seguindo os mesmos valores e crenças.
Concluindo essa reflexão: para lutar contra o dogmatismo tecnológico (efetivamente uma tecnocracia invisível, pois não é reconhecida como tal) é preciso se aliar aos marginalizados que desenvolvem a crítica cultural radical, como por exemplo a crítica decolonial. Como uma resposta inicial à questão feita no começo do texto, sugiro a seguinte hipótese: o nosso excesso de confiança nas formas tecnológicas que temos hoje é resultado da nossa dificuldade de pensar fora dos valores e crenças mais fundamentais desta cultura, ou seja, está diretamente relacionado à ideologia colonizadora na qual estamos mergulhados. Nós somos educados para pensar que o mundo precisa de uma estrutura semelhante àquela em que fomos criados para sequer fazer sentido, e isso inclui a estrutura tecnológica. Se não vemos sentido em outra coisa, faremos tudo ao nosso alcance para que essa estrutura seja fundamentalmente preservada.
Ao invés de propor “novas tecnologias” e “novos conhecimentos” para a realização das mudanças sociais que queremos, podemos compreender como nossa vidas podem melhorar SEM as tecnologias e conhecimentos que marcam nosso processo de civilização. Ao invés de pensar apenas no que esse sistema tecnológico civilizacional tem a oferecer para quem não vive nele, precisamos compreender como os valores e crenças de outros modos de vida podem moldar a realidade de modos muito mais interessantes. A confiança cega na tecnologia é, então, basicamente o medo da alteridade, a reprodução de um modo de vida tomado como padrão humano, e o receio de pensar num mundo totalmente diferente.
Referências
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CASTELLS, Manuel. Sociedade em Rede. Volume 1. 8ª Edição. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
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FEENBERG, Andrew. Racionalização subversiva: tecnologia, poder e democracia. A teoria crítica de Andrew Feenberg: racionalização democrática, poder e tecnologia. Brasília: Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América Latina/CDS/UnB/Capes, p. 69-95, 2010.
HABERMAS, Jürgen. A ciência e a técnica como ideologia. In: BENJAMIN, Walter, HORKHEIMER, Max, ADORNO, Theodor, HABERMAS, Jürgen. Textos escolhidos. São Paulo: Brasil Cultural, 1980.
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