Um ensaio sobre a ansiedade contemporânea.
Nota antes de começar: Estudos geracionais são sempre parciais. A maior parte do que se descreve de uma “geração” é observado num recorte que não é tão amplo assim. Por exemplo, diz respeito mais à classe média que à baixa, mais a pessoas brancas que não-brancas, mais a certas regiões que a outras, etc… Tenha isso em mente ao ler este texto.
A geração do pós-guerra rompeu com valores tradicionais e inventou o que significa ser jovem, ainda que isso fosse marginalizado. A geração seguinte aproveitou os direitos conquistados e conquistou também um espaço no mercado de trabalho, transformando o jovem num segmento de mercado. A geração atual se tornou o segmento que determina as tendências culturais e de consumo. Ela se tornou o centro do mundo. Algumas características marcantes dessa geração:
1. Linguagem hiperbólica: a liberdade de expressão se transformou em compulsão de expressão. Num mundo saturado de vozes é preciso se expressar de modo intenso para não ter sua voz abafada na multidão.
2. Pensamento não linear: reflexo da forma de organização em rede estruturando os processos cognitivos de indivíduos cuja formação já é mediada por hipertextos desde a primeira infância.
3. Múltiplas identidades: a partir de uma identidade dissonante surgem múltiplas identidades possíveis, o que produziu uma separação em grupos… Essa separação porém tende a se desfazer na medida em que cada indivíduo pode acomodar múltiplas identidades dependendo da ocasião. A identidade fixa torna-se uma prisão.
4. Laços sociais instáveis: relacionamentos em rede possibilitam facilidade de entrar e sair de compromissos, criando estruturas instáveis e frágeis de relacionamento e pertencimento, que exigem recomeços constantes e flutuação rápida do “status” de relacionamento.
5. Imediatismo: num tempo acelerado é preciso resultados rápidos e práticos. Objetivos precisam ser localizados no tempo e espaço. As pessoas comuns que realizam objetivos individuais e visíveis se tornam influenciadoras.
O processo de desconexão geracional (sensação de que não há nenhuma relação com as gerações anteriores) eleva a incerteza em relação às escolhas, que em última instância pode levar um indivíduo à conclusão de que simplesmente não há uma escolha correta a ser feita. Não há mais critério ou referência para a ação fora do próprio círculo social, que é altamente instável. O quadro referencial coletivo perde seu valor de orientação. O grupo de referência pode ser trocado em caso de conflito, seja esse social ou interno, individual e existencial.
Juventude e ansiedade
A juventude se tornou um estágio confuso entre ser criança e ser adulto, criou um estilo de vida próprio e uma linguagem própria. Para se estabelecer, ela teve que lutar contra as forças sociais dominantes. Porém, depois de “vencer” a luta e se tornar válida, a juventude perdeu o foco, deixando um vazio, uma ausência de causas que definiam um modo de vida jovem. As conquistas das gerações anteriores agora parecem dúbias. O vazio deixado pela banalidade da juventude é o criatório perfeito para a doença do século: a ansiedade. Por sua vez, as ideologias autoritárias se especializam em explorar a ansiedade dos jovens para se apresentar como solução.
A transformação cultural global que teve início nos EUA a partir dos anos 80 aumentou exponencialmente as ofertas de consumo, e não apenas de produtos manufaturados, mas principalmente de experiências. O aumento das ofertas de consumo veio logo acompanhado de uma compulsão pela novidade, que por sua vez produz a saturação da rotina. Quando o enorme desejo de consumir o novo não encontra objeto que o realize, o resultado é um tédio avassalador num primeiro momento, e ansiedade no segundo momento. O fato de não haver nada novo serve de justificativa para o desinteresse generalizado e a superficialidade nas interações por um lado, apego e hostilidade exagerados de outro.
A ausência do novo é uma consequência da facilidade de se informar sobre tudo que está sendo criado em todo o mundo ao mesmo tempo. O ritmo da criação de novos produtos e comportamentos não acompanha o ritmo da demanda de uma população conectada em tempo real a tudo que está acontecendo. Outra consequência é a dificuldade para se focar numa coisa só ou se aprofundar numa determinada área. O acesso à informação gera uma sensação de onisciência e ao mesmo tempo colabora com a superficialidade.
O texto dá lugar ao hipertexto. Um determinado assunto conecta-se a outros assuntos, que se conectam a outros, e assim por diante. O tempo nunca é suficiente para ler todo o conteúdo, então precisamos de informações cada vez mais resumidas, o que leva a uma crescente inconsistência do conhecimento.
Depois dos anos 60, houve uma transição da estrutura narrativa linear para a não linear. Novas mídias e tecnologias, como o cinema e o videogame, colaboraram com essa transição. Aprendemos a ler nossa própria história como uma narrativa composta de momentos frouxamente conectados. Publicações em redes sociais servem como diários eletrônicos onde uma biografia pode ser escrita de modo aberto, sendo editada constantemente e sofrendo interferências externas. Constrói-se uma imagem pessoal que possa ser consumida enquanto um produto cultural.
A insatisfação provém da irrelevância do consumo. O desespero para preencher esse vazio se torna uma justificativa para o uso de drogas ou a busca de experiências sexuais menos convencionais. Mas um dos efeitos dessa insaciabilidade é a insensibilização com o prazer, que produz um círculo vicioso, uma busca incessante por experiências mais intensas.
Se antes o consumo de drogas ou a prática de sexo livre servia para fortalecer uma identidade transgressora e a subversão de valores tradicionais, agora estas mesmas atividades são consideradas cotidianas e desprovidas de qualquer magia. Trata-se de um processo avançado de desencantamento. Ao invés da necessidade de contrapor valores hegemônicos, ocorre a indiferença em relação a todos os valores e a sensação de que nada tem sentido.
Uma das alternativas para tornar a vida excitante de novo é a polarização: O mundo está dominado pelos inimigos. Você e seus amigos são a linha de frente na luta pela libertação humana. Alarmismo e pânico são extremamente comuns em pessoas sofrendo de ansiedade. Criar uma fantasia em que os conflitos podem ser simplificados e podem ser resolvidos rapidamente é uma forma de lidar com a ansiedade imediata, mas aumenta cronicamente a ansiedade.
Alienação e fuga do cotidiano
A fuga do cotidiano foi facilitada pelo ambiente urbano e pelos dispositivos móveis, que permitem conexão constante com fontes de entretenimento. A fuga, por isso, se tornou regra ao invés de exceção. Esta fuga na verdade é a fuga dos problemas do cotidiano, principalmente dos problemas de relacionamento. Encará-los se tornou insuportável.
Este critério de valorização indica um empobrecimento da experiência social. Este empobrecimento se dá na medida em que se evita a experiência com os conflitos que compõem o cotidiano. Conflitos exigem uma tomada de decisão. Tomar decisões com consequências duradouras se tornou assustador porque decisões implicam em concessões ou sacrifícios. Não faltam forças coercitivas capazes de forçar alguém a ceder, mas sim uma razão para ceder se a vida não pode mais ser considerada como algo linear. Por que não podemos ter tudo ao mesmo tempo? Qual o sentido de escolher uma única coisa? Se agora vivemos em múltiplas realidades, nada é especial ou importante o suficiente para tomar todo o seu tempo.
O medo de se fixar é o medo de ser descartado por uma cultura que valoriza a mobilidade. A necessidade de viver uma vida agitada para corresponder às expectativas representa uma auto-rejeição, uma incapacidade de aceitar-se ou de satisfazer-se consigo mesmo. Uma “vida simples” continua sendo um desejo oculto, porém a estrutura social da vida simples vai sendo continuamente destruída enquanto apenas experiências temporárias de simplicidade estão disponíveis para consumo. A vida simples é deixada para depois.
A facilidade de acesso a experiências cada vez mais intensas produziu a insensibilização com as mesmas. A necessidade crescente de ter experiências intensas num contexto de crescente insensibilização leva à glamourização do comportamento autodestrutivo, que se transforma em símbolo de status.
Relacionamentos tendem a ter uma carga emocional maior no começo, mas logo implicam em rotina e se tornam insuportáveis. O envolvimento emocional duradouro acaba obrigando o indivíduo a suportar momentos ruins. Aproveitar os bons momentos passa a significar viver apenas os momentos iniciais de um relacionamento, e sair dele antes que este implique em compartilhar mais do que bons momentos. A intimidade assusta.
Não excluir possibilidades é uma característica da organização em rede. O objetivo dos relacionamentos em rede é manter a rede fluindo. Aquilo que impede o fluxo deve ser excluído. Em outras palavras, não excluir possibilidades se torna critério para não ser excluído. O compromisso foi associado à dominação, e o desprendimento à liberdade. Mas o fato de que o número de separações e divórcios cresceu muito na última década pode indicar que os jovens relacionam a prescrição moral do compromisso a um falso moralismo, a uma hipocrisia. Mas na busca pelo desapego moderno há também um ressentimento pela separação ou relacionamento falido dos pais.
Pornografia e carência
Um dos efeitos da insatisfação com o cotidiano é a pressão para surpreender o outro como forma de mantê-lo interessado. A consequência é a falta de interesse em satisfazer a expectativa de qualquer pessoa, porque esta se tornou grande demais. Um exemplo marcante é o aumento do consumo de pornografia. A facilidade de acesso é um fator importante, mas a mudança do significado do sexo talvez seja um fator ainda mais relevante. Cercados por estímulos eróticos, o consumo de pornografia se torna algo mais comum. Uma das consequências disso é a insensibilização aos estímulos sexuais moderados. A pornografia apresenta um modelo de relação muito distante da realidade. O desejo a ser satisfeito com essa prática é o de receber atenção total.
A necessidade de atenção reflete-se nas redes sociais. A popularização das câmeras digitais e a facilidade de divulgar imagens pela Internet, na forma de fotos ou vídeos, estimularam o desejo de ser notabilizado por todos. A autoimagem precisa ser editada e exibida como uma peça publicitária. Pode ser “corrigida” ou “melhorada”, seja excluindo o que não agrada, destacando o que se quer valorizar, ou mesmo adicionando elementos novos, desde pequenos detalhes até modificações irreais. Por meio da edição, atividades cotidianas podem ser apresentadas como algo inusitado, o que se relaciona à fuga do cotidiano. O resultado é que a imagem não é mais simplesmente captada, mas construída. Ela precisa ser “vendida” num mercado cada vez mais competitivo, o que leva a certas medidas extremas para se conquistar o lugar que se almeja.
A necessidade de reter a atenção dos outros, por outro lado, indica uma carência profunda. Esta carência não é de simples atenção ou afeto, é uma carência de contato com a realidade. O contato com a realidade se perdeu a partir do contato imersivo com a simulação, que dificulta a distinção entre interno e externo, valor e preço.
Tudo se torna vazio e entediante porque agora nada pode conduzir à realização de expectativas que ultrapassam em muito a realidade. Não há motivo para trocar uma mentira agradável por uma realidade insatisfatória. Nas interações não existe mais nenhum motivo para preservar a integridade física ou moral de um indivíduo. Para ficarem a salvo de interações potencialmente destrutivas, os indivíduos preferem criar personagens fictícios para interagir com os outros, falsificando suas imagens sociais. O resultado é que personagens interagem com personagens, enquanto pessoas permanecem isoladas umas das outras. A personagem procura mostrar desapego, enquanto a pessoa por trás dela anseia profundamente por um laço significativo, mas sem ver qualquer possibilidade para que isso se realize.
Esta imagem ideal é tipicamente publicitária. Ela visa vender um produto, que é o próprio indivíduo enquanto fonte de entretenimento. A imagem de uma pessoa despojada em meio a um mundo entediante é a promessa de um alívio temporário desse tédio, ainda que essa imagem seja falsa, talvez porque a realidade tenha se tornado insuportável.
Exagero e impossibilidade de diálogo
Evitar os conflitos não significa que esses conflitos desaparecem. Eles são a “sombra” da convivência humana: quanto mais você tentar fugir deles, maiores eles ficam. Eles crescem no subterrâneo e voltam a emergir de modo cada vez mais violento, aumentando ainda mais a ansiedade. O fato é que não podemos dizer que um conflito é desnecessário se no fundo não suportamos encará-lo. A aparente solução imediata piora as coisas em longo prazo.
Quando um dos lados do conflito vai buscar a comunicação, a tensão acumulada provoca gritos e hostilidades. Quando isso se torna mais comum, a própria linguagem vai mudando: elementos exagerados vão se tornando padrão porque já se espera que o outro não ouça nada além de um exagero.
Pelo mesmo processo também estamos mais propensos à violência verbal ou moral. Ameaças vão escalando numa espécie de bola de neve. Nos “liberamos” para desumanizar pessoas (por exemplo, ao dizer que alguém “nem é gente”). É a mesma coisa que soldados são treinados para fazer como forma de cumprir efetivamente suas ordens, ou seja, insensibilização. Manter a sensibilidade se torna um fardo ou algo a ser punido, e o resultado mais comum é, novamente, a ansiedade.
Existe alguma cura para a ansiedade no atual contexto social? As atuais propostas não vão muito além de medicação e contato com natureza. Mas podemos dizer o que não está funcionando: o consumo de álcool, drogas e experiências intensas não vão diminuir sua ansiedade. Em algum momento você vai ter que lidar com tudo que está deixando para mais tarde. Se isso te assusta, talvez seja hora de procurar ajuda.
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2004.
________. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2008.
GIDDENS, A.; BECK, U.; LASH, S. Modernização reflexiva: política, tradição estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1995.
MIRANDA, Melissa de. Inércia: a geração Y no limite do tédio. Aparecida: Ideias e Letras, 2011.
MACIEL, Lena; LIEDKE, Lucas; RODRIGUES, Rony. We all want be young. Produção: Fernando Krumel e finalizado por Bebop Studio. Roteiro: Lena Maciel, Lucas Liedke e Rony Rodrigues. São Paulo: Box1824, 2010 (9 min.).
Uma consideração sobre “Ansiedade e juventude”