Um pequeno ensaio sobre sociologia do trabalho, desemprego e precariedade, inspirado por uma aula do curso de sociologia.
A valorização do trabalho individual, ao invés do trabalho coletivo, é uma herança iluminista. Ela levou ao desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção capitalistas, o que culminou na sociedade informacional. Nesta sociedade, observamos que a identificação com a classe operária é substituída por um ideal de ‘self made man’: o indivíduo é o único responsável por sua própria vida.
O capitalismo se centrou na contratualidade, rompendo os laços de servidão. A base da contratualidade é ideia de propriedade de si. O sujeito no capitalismo precisa ser considerado a única e absoluta força capaz de criar e interferir na sua própria vida. O ideal de Henry Ford era o consumo das massas. Ele era um tecnocrata, mas elogiou o regime russo quando este se abriu para a economia industrial. Ford foi um pioneiro da “inclusão social”: queria que todo funcionário seu pudesse comprar o que produzia. Porém, tanto o consumo massificado quanto a economia planificada promoveram devastação ambiental. Mesmo os críticos do capitalismo não buscaram um retorno à natureza, mas uma transformação da natureza em nome do ser social.
O estatuto de profissional se difere do estatuto de operário ou funcionário porque é resultante da qualificação combinada ao ideal de serviço, de reconhecimento social e das instituições profissionais enquanto respostas a necessidades sociais. O modelo das profissões é um modelo ético contrário ao utilitarismo econômico. Porém, a divisão de trabalho resulta de interações e processos de construção social, e não é resultado natural da capacidade técnica de responder a necessidades sociais.
A profissionalização é a síntese entre funcionalismo e interacionismo. Ela estabelece controle sobre a formação, cria associações profissionais, proteções legais e define um código de ética. A representação social das profissões se opõe ao conceito construído segundo as regras do raciocínio científico. O modelo funcionalista é empirista, crê na capacidade da ciência de responder às necessidades e no ajustamento entre as motivações de profissionais e de clientes. Temos a crença de que a atividade profissional escaparia da lógica de mercado e seria orientada para o bem comum.
A psicologia do empreendedor na cultura do trabalho está voltada à cultura do consumo. Ela valoriza o trabalho autônomo. O empreendedorismo é a ideologia que prega a necessidade de aumento da responsabilidade do indivíduo no trabalho, mesmo quando precário e arriscado.
O trabalho autônomo não é uma alternativa ao capitalismo, mas sim uma integração do indivíduo ao novo sistema de produção, que agora deve funcionar sem a mediação do Estado. Assim evita-se todo trabalho de corromper a política para atingir os interesses dos donos das grandes empresas. A autonomia apenas disfarça a precarização do trabalho no processo que leva ao fim do Estado de bem-estar social, ainda que este estivesse apenas começando no Brasil.
A luta deve ser contra o Capital, não somente contra as condições de trabalho injustas. Na condição atual, é o salário, e não o trabalho, que assegura os direitos fundamentais, pois o direito à segurança, à alimentação, à habitação, à saúde, à instrução e ao lazer é cada vez mais dependente do acesso a serviços prestados pela iniciativa privada. Uma vez que a tendência é a remuneração mínima, sem contrato formal, de caráter temporário e dependente do cumprimento de metas cada vez maiores, estamos diante uma redução sistemática dos direitos dos trabalhadores.
A ética do trabalho é impossível de ser levada à sério quando se percebe que o que se recebe não é equivalente à contribuição social oferecida pelo trabalho.
A inclusão social no mercado de trabalho não produz necessariamente a integração das classes, nem a consciência da exploração, e nem impede a corrosão social. A grande contradição é que a homogeneização social nivela as particularidades individuais, mas fragiliza os laços de pertencimento coletivos. Como lutar por bem-estar social numa sociedade centrada nos indivíduos? O bem-estar era possível quando se imaginava que o fim da exploração do trabalho resultaria numa sociedade em que todas as pessoas pudessem trabalhar dando o melhor de si, bastando apenas que se organizasse melhor os sistemas de produção. Mas agora os sistemas de produção se organizaram de modo que o trabalho socialmente necessário não exige mais tamanha mão-de-obra. Existem mais pessoas precisando de emprego e menos vagas nos serviços voltados ao bem-estar social, como cultura, educação e saúde. A exclusão agora ocorre não pela incapacidade de acomodar todas as pessoas nos cargos corretos, de acordo com as aptidões de cada um. A exclusão ocorre porque o mercado precisa de produtores de valor financeiro, e não de valor social. Há trabalhadores qualificados sobrando, que se tornaram inúteis ao mercado por contribuir “somente” com o bem social.
Numa sociedade centrada no mercado, isso significa que filósofos, por exemplo, são considerados inúteis à sociedade. Aqueles que trabalham se ressentem em ter que sustentar essas pessoas, sem se dar conta do valor desse trabalho, reproduzindo a crença que a utilidade depende da geração de valor material.
A estratégia para conter o desemprego tem sido a de inflar artificialmente o mercado com serviços terceirizados ou com uma exigência de qualificação maior, fazendo com que o desempregado passe mais tempo acreditando que está em formação ou em transição de um emprego para outro, e elevando a crença de que basta esforço individual para garantir o acesso ao mercado de trabalho. Mas isso está cada vez mais longe da realidade. Se todos os atuais desempregados se esforçassem ao máximo de suas capacidades, haveria cargos suficiente para todos? Ao invés disso, o aumento do esforço apenas aumenta a competitividade e a concorrência por um cargo satisfatório. Não alcançar o nível de exigência funciona como uma justificação para aceitação do sub-emprego e do emprego informal e precarizado, o que significa fazer o candidato culpar a si mesmo por algo que é apenas consequência de determinado desenvolvimento das forças produtivas, no contexto das relações de trabalho capitalistas. A massa à procura de um emprego estável está correndo atrás de uma cenoura amarrada à sua frente, que jamais será alcançada.
Logo, o trabalho entra em crise como elemento de integração social. A complementaridade entre trabalho e sociabilidade é desfeita. Ainda se mantém um mito da inserção pela competência, mas até quando? Seria o Estado a única proteção contra o Capital?