Tradução do capítulo 2 do livro The Ethical Slut: A Guide to Infinite Sexual Possibilities, escrito por Dossie Easton e Janet Hardy.
Aquelas que partiram para o caminho de explorar novos tipos de relacionamentos e novos estilos de vida muitas vezes se encontram bloqueadas por crenças (sobre a forma como a sociedade deve ser, a maneira como as relações devem ser, a maneira como as pessoas devem ser) que estão profundamente enraizadas e não são examinadas.
Temos sido ensinadas que uma maneira de relacionar-se, o casamento heterossexual para a vida inteira, é a única maneira certa. Dizem-nos que a monogamia é “normal” e “natural”; se nossos desejos não se encaixam nessa restrição, somos moralmente deficientes, psicologicamente perturbadas, e estamos indo contra a natureza.
Muitas de nós sentimos instintivamente que algo está errado com esta imagem. Mas como você pode escavar e examinar uma crença que você nem sequer sabe que tem? O ideal de monogamia vitalícia como o único objetivo apropriado para relacionamentos está tão profundamente enraizado em nossa cultura que é quase invisível: operamos nessas crenças, mesmo sem saber que acreditamos nisso. Elas estão sob nossos pés o tempo todo, elas são a base para nossas suposições, nossos valores, nossos desejos, nossos mitos, nossas expectativas. Nós não as notamos até tropeçar nelas.
Onde é que essas crenças começam? Geralmente, elas se desenvolveram para atender condições que não existem mais.
Nossas crenças sobre o casamento tradicional datam das culturas agrárias, onde as pessoas faziam tudo que comiam, vestiam ou usavam, onde grandes famílias ampliadas ajudavam a obter uma enorme quantidade de trabalho para que ninguém passasse fome, e onde o casamento era uma proposta de trabalho. Quando falamos de “valores familiares tradicionais”, esta é a família de que estamos falando: uma família ampliada de avós e tias e primos, uma organização para realizar o trabalho de manter-se viva. Vemos grandes famílias funcionando de forma tradicional hoje, muitas vezes em culturas recentemente transplantadas de outros lugares, ou como um sistema de suporte básico entre as populações urbanas economicamente vulneráveis ou populações rurais.
Curiosamente, controlar o comportamento sexual não parecia ser tão importante fora das classes proprietárias até a Revolução Industrial, que lançou uma nova era de negatividade do sexo, talvez por causa da crescente classe média e do espaço limitado para as crianças em culturas urbanas. Médicos e pastores no final do século XVIII começaram a reclamar que a masturbação não era saudável e era pecado, que a mais inocente das descargas sexuais era perigosa para a sociedade. Manuais educativos do século dezenove mostram dispositivos para impedir bebês de tocar seus genitais durante o sono.
Assim, qualquer desejo para o sexo, mesmo consigo mesmo, tornou-se um segredo vergonhoso.
Mas a natureza humana vai vencer. Somos criaturas com tesão, e quanto mais sexualmente repressiva uma cultura se torna, mais ultrajantes seus pensamentos e comportamentos sexuais secretos irão se tornar, como qualquer fã de pornografia vitoriana pode atestar.
Em suas palestras para jovens comunistas na Alemanha durante a ascensão de Hitler e dos nazistas, o psicólogo Wilhelm Reich teorizou que a supressão da sexualidade era essencial para um governo autoritário. Sem a imposição da moralidade antissexual, ele acreditava, as pessoas seriam livres da vergonha e confiariam no seu próprio senso de certo e errado. Elas não seriam susceptíveis a marchar para a guerra contra a sua vontade, ou para operar campos de extermínio. Talvez, se fossemos criadas sem vergonha e culpa sobre os nossos desejos, poderíamos ser pessoas mais livres em mais aspectos do que simplesmente o sexual.
A família nuclear, que consiste de pais e filhos relativamente isolados da família ampliada, é uma relíquia da classe média do século XX. As crianças já não trabalham na fazenda ou no negócio da família; elas são criadas quase como animais de estimação. O casamento moderno não é mais essencial para a sobrevivência. Agora nos casamos em busca de conforto, segurança, sexo, intimidade e ligação emocional. O aumento do divórcio, tão deplorado pela direita religiosa hoje, pode simplesmente refletir a realidade econômica que hoje a maioria de nós pode se permitir deixar relações em que não está feliz; ninguém vai morrer de fome.
E ainda assim puritanos modernos, talvez porque ainda não estejam prontos para lidar com a perspectiva assustadora de uma escolha sexual e romântica verdadeiramente livre, tentam impor a família nuclear e o casamento monogâmico, ensinando a vergonha sexual.
Acreditamos que o conjunto atual do que “deveria ser”, e qualquer outro conjunto, são artefatos culturais. Acreditamos que a natureza é espantosamente diversa, nos oferecendo infinitas possibilidades. Nós gostaríamos de viver em uma cultura que respeite as escolhas feitas por vadias tanto quanto nós respeitamos o casal comemorando seu quinquagésimo aniversário (e, falando nisso, o que nos faz supor que esse casal é monogâmico, afinal?).
Estamos abrindo novas estradas em um território totalmente novo. Não temos roteiros culturalmente aprovados para nossos estilos de vida sexualmente abertos, precisamos escrever os nossos próprios roteiros. Escrever seu próprio roteiro requer muito esforço, e bastante honestidade, e é o tipo de trabalho duro que traz muitas recompensas. Você pode encontrar o caminho certo para você, e três anos depois decidir que quer viver de uma maneira diferente, e isso não é um problema. Você escreve o roteiro, você faz suas escolhas, e você pode mudar de ideia também.