Um relato pessoal sobre as ocupações de colégios em Goiânia em 2016.
Goiânia presenciou uma onda de ocupações de escolas estaduais no fim de 2015 como protesto contra o projeto das Organizações Sociais (OS) e a militarização da educação pública. Secundaristas se organizaram e em conjunto com apoiadores chegaram a ocupar 28 escolas estaduais, tanto no centro como na periferia. A primeira dessas ocupações, e a que mais persistiu, foi a do Colégio José Carlos de Almeida (JCA), uma escola que foi fechada arbitrariamente pelo governo. Em Anápolis, onde seriam implantadas as primeiras OS, também houve várias ocupações.
Os professores de Goiás tiveram um longo histórico de luta contra o governador Marconi Perillo, que assumiu publicamente que seu objetivo de desmobilizar o movimento dos professores. Os professores já ocuparam a câmara dos deputados e já fizeram barricadas nas ruas queimando pneus. Marconi é do PSBD, foi envolvido com Carlos Cachoeira em vários esquemas de fraude e lavagem de dinheiro. Seu plano de precarização para privatização atinge não só a educação como também a saúde e a cultura. Ele não tem medo de ameaçar, usar a polícia e capangas disfarçados.
Os secundaristas organizaram vários protestos, enfrentaram policiais e estão tão ou mais mobilizados que os professores. Notamos a mudança de estratégia do Estado no modo de conter atos e desmobilizar movimentos. Ao invés de um ataque mais direto, vimos a articulação excepcional do governo em abafar a voz dos manifestantes e controlar a opinião pública por meio de manipulação da mídia. Isso se deve provavelmente à pretensão do governador de concorrer à presidência da república.
No Colégio Ismael, na região noroeste, periferia de Goiânia, houve desocupação violenta da polícia, que invadiu a escola e entrou espancando os alunos enquanto estavam dormindo, sob a justificativa que bandidos estavam escondidos na ocupação. Esse colégio foi ocupado por alunos do 9º ano, na faixa de 13 a 16 anos. Alguns partidários do Marconi iam constantemente para a porta da escola fazer acusações de depredação do patrimônio público e de aliciamento de menores por parte dos apoiadores. Imagine o quanto é irônico ser acusado de aliciar menores e depredar patrimônio quando a única coisa que você faz é doar seu tempo para limpar e cuidar do que é público, para que permaneça público.
Já no Colégio Bandeirantes, como em muitos outros, a estratégia foi diferente. A polícia não entrou, somente ficou a postos. Partidários do Marconi se organizaram com o diretor da escola para fingir uma reunião de pais e professores na escola. Chegaram dizendo que a comunidade não apoiava as ocupações, que os secundaristas eram invasores, que negavam o acesso das pessoas à escola e que não sabiam nem o que era OS. E assim foram invadindo, colocando todos pra fora e realizando ilegalmente a desocupação, já que sua legalidade estava reconhecida e não havia mandado de reintegração de posse. Os secundaristas que tinham passado a madrugada inteira ajudando a limpar o pátio para receber o pessoal, porque acreditavam que eles estavam vindo só pra conversar, estavam preparados pra enfrentar a polícia, mas não pessoas comuns sendo manipuladas por discursos moralistas, acusando os ocupantes de estarem ali unicamente para fumar maconha e transar.
Um grupo de cerca de 20 pessoas, por inciativa própria, tentou ocupar a Secretaria da Educação (SEDUCE), sem o conhecimento do resto do movimento. Durante a ação, o subsecretário fingiu que estava em sendo mantido em cárcere privado, e a polícia fez uma negociação com os ocupantes para desocupar o prédio e permanecer no estacionamento, numa ocupação de mentira. Como se isso não fosse desanimador o bastante, o MST ocupou o prédio da SEDUCE um dia antes da entrega dos envelopes das empresas que concorriam no edital das OS, novamente sem consultar o movimento secundarista. De nada adiantou, a abertura dos envelopes ocorreu bem longe dali, numa verdadeira operação de guerra com dezenas de policiais.
Quando os secundaristas ficaram sabendo que os ocupantes da SEDUCE resolveram, numa votação, desocupar o prédio, foram para lá com a intenção de manter a ocupação depois da saída deles. O que se seguiu foi outra operação de guerra envolvendo o GRAER. Tropas especializadas desceram no prédio usando um helicóptero, aterrorizando os ocupantes e o resultado foi o fim da ocupação, com 31 pessoas detidas, cerca de metade eram menores de idade.
Logo depois da liberação dos 31 detidos, 16 pessoas foram detidas numa manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus, cuja pauta incluía a luta contra a criminalização do movimento. Tudo indica que o confronto com a polícia foi planejado pelos policiais, que estavam concentrados num hotel. Quando o ato passou pela rua do hotel, agentes à paisana começaram a atacar os manifestantes, roubando celulares em busca de informações. Alguns reagiram e entraram em confronto. Um policial levou uma pedrada na cabeça. Não conseguindo deter a pessoa que jogou a pedra, pegaram quem estava pela frente. Um dos detidos, um menor morador da periferia, foi obrigado a usar uma tornozeleira de rastreamento.
O futuro desse movimento é incerto. O JCA, que os ocupantes pretendiam transformar em espaço cultural e educacional permanente, foi desocupado com muita tristeza em 2016, e até hoje o prédio não está sendo devidamente usado. O governo moveu funcionários para lá às pressas para impedir que a escola seja reocupada. Mas o saldo é positivo. Enquanto tomavam conta de suas escolas, os alunos aprenderam sobre a série de irregularidades que fazem parte do cotidiano da gestão da educação pública, e quanto dinheiro há em jogo com a privatização e gestão por OSs. O Estado e o Capital fizeram novos inimigos, que em breve estarão participando de novas lutas, com mais experiência e sabedoria. É o que esperamos.
