Resenha da série Witcher 1, 2 e 3 (2007, 2011, 2015), da CD Projekt RED.
Witcher é uma série mundialmente famosa produzida na Polônia. Os poloneses parecem orgulhosos desse feito, já que o primeiro ministro da Polônia chegou a dar uma cópia do jogo Witcher 2 para o Presidente Obama. Eu joguei The Witcher porque ele foi feito usando uma versão modificada do Aurora Toolkit, um editor de módulos de um jogo chamado Neverwinter Nights, que eu gostava por causa da comunidade de jogadores, que faz um conteúdo incrível desde 2002 até hoje.
The Witcher trata de temas complexos, é um jogo para adultos, como a maioria dos jogos sobre os quais eu comento. Ele trata de política, sexo, destino e religião, mas também é um pouco machista… É um misto entre Game Of Thrones, Conan e Van Helsing. O protagonista, Geralt, é inteligente, charmoso e forte. O jogo faz você sentir que suas escolhas importam, mostrando as consequências delas. Exceto no modo como Geralt trata as mulheres, onde atitudes machistas são recompensadas. Trataremos disso mais abaixo.
A questão política em The Witcher tem relação com uma organização religiosa e militar que odeia os não-humanos (elfos e anões, que aqui representam os povos nativos). Os não-humanos por sua vez lutam pela liberdade e direitos iguais em pequenos grupos, apelando para táticas de guerrilha e resistência. Os druidas representam os ambientalistas, ajudando os não-humanos quando podem. Os Witchers, caçadores de monstros, representam um grupo pequeno e poderoso de pessoas que prefere ficar neutro, mas que acaba sendo usado por ambos os lados do conflito.
The Witcher 2 continua onde o primeiro parou. O tema central é o poder. A história do jogo trata de um plano para assassinar os reis de diversos reinos do norte e colocar a culpa nas bruxas, que são as conselheiras reais, o que acaba por colocar em evidência a relação de poder dos homens sobre as mulheres numa sociedade machista.
O jogo tem vários problemas técnicos, faltam informações em momentos cruciais, o sistema de combate é ruim, mas o que realmente decepciona é o machismo num roteiro que flerta com afirmações feministas, mas acaba reproduzindo o discurso machista em vários momentos. No jogo vemos mulheres em posições de poder, liderando a revolução contra a opressão, e ao mesmo tempo o velho tropo da donzela em perigo, onde a “namorada” de Geralt é literalmente transformada num objeto e sequestrada. Além disso, as cenas de sexo são apresentadas visando o público masculino e hétero, mesmo quando o sexo é lésbico, o que é péssimo.
Há um momento memorável, quando uma succubus (um ser que se alimenta de energia sexual) se defende da acusação de assassinato explicando que ela não tem necessidade de matar, e que os homens com quem ela tem relações sexuais estão sendo mortos por um amante enciumado. Mesmo o personagem principal, que supostamente sabe muito sobre monstros, tem medo dessa mulher que, na verdade, representa uma feminista liberal. Ainda há um bom caminho até que a sexualidade das mulheres seja aceita no mundo dos videogames. Geralt é o típico macho que sustenta um discurso de defensor das bruxas, porém parece fazer isso sempre com algum interesse sexual. No jogo é possível escolher ser menos machista, não transar com cada mulher que você ajuda, mesmo que a oportunidade exista, porém essa escolha não produz nenhum resultado diferente no jogo, ou seja, o jogo não reconhece essa escolha como significante. Geralt é o típico esquerdo-macho, que defende as mulheres dos reacionários mais fanáticos (os religiosos e os políticos), mas não desconstruiu ainda seu próprio machismo, se apoiando demais em símbolos masculinizados de poder.
Outro aspecto é a questão racial e territorial. No jogo, anões e elfos são os povos originários, cujas terras foram invadidas pelos humanos (brancos), são considerados inferiores, indignos de confiança, e muitas vezes massacrados em nome da segurança, ainda que possuam um conhecimento superior, do qual os invasores muitas vezes se aproveitam. O manifesto do grupo rebelde tem o título “A sociedade feudal e seus inimigos”, uma brincadeira com o livro de Karl Popper, “A sociedade aberta e seus inimigos”. O jogador tem a opção de escolher entre dois lados durante o jogo: servir aos interesses do reino de Temeria, ou ajudar os rebeldes.
O livro de Popper, que talvez tenha servido de inspiração aos criadores do jogo, é muito citado por anarco-capitalistas por ser uma crítica ao historicismo teleológico de Platão, Hegel e Marx, que Popper joga num mesmo saco e rotula de totalitarismo. Interessante notar que, por onde quer que o personagem passe, alguma guerra ou catástrofe semelhante o acompanha. Seu ideal supostamente seria politicamente neutro, mas ele vive enterrado em questões políticas até o pescoço, participando ativamente de pontos decisivos na história política de vários reinos. Afinal, seria Geralt um herói da democracia liberal?
Witcher 3 é o menos neutro dos jogos da série. Isso fica visível no trailer “Killing monsters”. É nele também que se nota melhor os tons do liberalismo dos autores desse jogo. O autor de Witcher original, que é um romance fantástico, estudou economia, e antes de começar a carreira literária, foi representante de vendas de uma empresa de comércio exterior. O ponto de vista mercantil de Geralt provavelmente se deve a essa experiência do autor.
“Nós não escolhemos a liberdade política porque nos promete isto ou aquilo. Nós a escolhemos, porque ela torna possível a única forma digna de convivência humana, a única forma em que podemos ser totalmente responsáveis por nós mesmos. Se concretizamos ou não as possibilidades que ela encerra, depende de todo o tipo de fatores – e acima de tudo de nós mesmos.” – Popper